Crítica
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Crítica
De memória, sem pensar muito, a quantos filmes você assistiu em que alguém (ou um grupo) embarca numa aventura repleta de “pirações” como maneira de mudar os rumos de uma vida enfadonha? De tanto repetir esse mote, o cinema cristalizou no nosso imaginário a ideia de que apenas uma jornada cheia de porralouquice é capaz de acordar alguém em estado profundo de letargia. Pensando assim, os mansos ou estagnados precisam, basicamente, de um choque “desfibrilador” para despertar a um cotidiano mais excitante. Em La Situación é exatamente isso o que acontece. A protagonista é Ana (Natália Lage), mulher infeliz no trabalho burocrático e não menos empacada na sua vida sexual – ela não transa há três anos, isso é bastante enfatizado ao longo da trama. Completamente pega de surpresa pela notícia de que sua avó morreu na Argentina, deixando para ela de herança um terreno cujo valor pode colocá-la em outro patamar econômico, Ana embarca numa viagem com a amiga casada, Letícia (Júlia Rabello), e com a prima espalhafatosa, Yovanka (Thati Lopes). Estamos no terreno dos arquétipos, pois os personagens são bem característicos: a amiga mãe de família é uma mulher engolida pela rotina que deseja mudanças radicais. Já a parente excêntrica é o fiel dessa balança, aquela que sempre puxa o barco para o lado das corredeiras, assim carregando as companheiras afeitas à calmaria.
O primeiro problema que não demora muito a se anunciar em La Situación é a pressa contraproducente criada pelo roteiro a cargo de Carolina Castro e Natália Klein. Tudo é feito na correria, sem tempo para nos acostumarmos com as situações ou minimamente digerirmos as maluquices que se sucedem como se nada merecesse amadurecer. Depois de apresentadas os traços principais das personagens centrais, as três caem na estrada, não menos rápido do que isso chegam ao país vizinho e todo o resto acontece em desabalada carreira. Esse rebuliço todo poderia trazer um senso de urgência para o longa-metragem, mas na verdade é somente o resultado da necessidade de abordar (mas não desenvolver e/ou elaborar) muitas situações num curto espaço de tempo. Por exemplo, quando as estrangeiras acham por bem transitar pela região desértica sobre pôneis alugados de uma desconhecida. Nem bem assimilamos a imagem insólita e acontece uma reviravolta maluca que adiciona outro empecilho na jornada. E essa barreira também não dura tanto, pois o roteiro enfia mais uma circunstância que agrava esse acúmulo pouco produtivo de episódios. O resultado é um filme confuso, em que certas ocasiões chegam a passar quase despercebidas, e pouco atento ao mínimo de nuances na convivência entre personagens que valem apenas o quanto reproduzem dos arquétipos aos quais se ligam.
O segundo problema de La Situación é a falta de espessura dramática dessas personagens. Ana nunca é desenvolvida para além dessa ideia da certinha que precisa dar uma despirocada. Assim sendo, a jornada que o filme anuncia (sua guinada rumo a um cotidiano menos chato) tem pouca ou nenhuma validade, pois o roteiro está apenas preocupado em utilizá-la como desculpa para reforçar estereótipos relacionados a mulheres desprovidas atualmente de vida sexual. Natália Lage é apagada por uma personagem que carece de subsídios para revelar os seus lados interessantes. Por sua vez, Letícia existe pura e simplesmente para o filme enfileirar um bando de piadas fracas sobre as dificuldades impostas pela maternidade e pelo casamento. Júlia Rabello novamente é colocada num papel de mulher beirando os quarenta anos, cuja sexualidade latente está interditada por alguma convenção e que não demora a exibir uma personalidade expansiva caracterizada por intempestividade e palavrões. Por fim, Yovanka é estritamente a amiga desvairada que confere uma pitada de bem-vinda insensatez para essa viagem que se transforma num caso de polícia. Thati Lopes até que se sai bem no papel da jovem dada a entorpecentes e atitudes espontâneas, mas também sofre do mesmo mal que aflige o trabalho de suas colegas imediatas de elenco: não tem margem para manobrar dentro dos estereótipos.
Não bastasse esse desinteresse pelo aspecto emocional/psicológico das personagens, o filme utiliza como pano de fundo uma investigação policial sobre um caso de tráfico internacional de drogas. Para desenvolver esse aspecto do enredo, o diretor Thomas Portella utiliza a lógica da comédia de erros, na qual um engano inicial gera inúmeras situações crescentemente loucas e desdobradas a partir do equívoco inicial. Numa comédia de erros é fundamental a sucessão de lapsos e gafes parecer uma decorrência natural do início errado. Não como em La Situación, que escancara um esquematismo por trás dessa operação toda ao encadear as mancadas como se não houvesse nada além delas no horizonte das protagonistas. O talento das atrizes dá uma amenizada nessa sensação de bagunça improdutiva que vai tomando conta do filme à medida que ele abraça (talvez por falta de opção) o caos como algo a ser levado em consideração. Contrariando até mesmo o fundamento transformador do road movie, o diretor não enfatiza o quanto cada experiência daquelas é importante para Ana ser menos enfadonha e Letícia voltar a experimentar uma vida além do casamento. Para arrematar, o diretor passa um pouco do ponto no tratamento dos hermanos ora como grosseirões, ora como aproveitadores, e não parece ter muito pudor em criar cenas abertamente falsas, como a da polícia na casa de Letícia. Poderia ser uma espécie de Thelma & Louise (1991) com sabor latino e escrachado. Mas não é.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Francisco Carbone | 1 |
Alysson Oliveira | 2 |
MÉDIA | 2.3 |
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