Crítica

Depois de estrear no documentário com Escuela Normal (2012), Celina Murga retorna à ficção com A Terceira Margem. A comparação com Lucrecia Martel é menos necessária do que inevitável. Mas não tanto no terreno do óbvio – o de ser mulher e diretora – como no da concepção de cinema. Minimalista e observador; íntimo e frágil. Assim nos é contada a história de Nicolás, um jovem de 17 anos, filho mais velho da amante do pai, Jorge.

Sisudo e rústico, o pai (Daniel Veronese) escolhe o garoto para assumir os negócios da família. Em uma aproximação fria, na qual Nicolás – muito bem interpretado pelo estreante Alien Develac – não deixa romper a barreira da desconfiança, Jorge o emprega no laboratório em que trabalha e o ensina a cuidar da propriedade no interior do país. Apesar do esforço, nada é mais difícil do que contrariar um sentimento. Antes relegado à “segunda família”, não assumida, socialmente desprestigiada, Nicolás parece guardar dentro de si algo a ser dito – mesmo que sem palavras.

O roteiro escrito por Murga em parceria com o também diretor Gabriel Medina (Los paranoicos, 2008) apoia-se na relação de pai e filho. A peculiaridade, porém, está na condução da história. A cartilha tradicional é evitada. Os personagens não desenvolvem empatia e escondem um passado ao qual não podemos adentrar. Contado a partir do ponto de vista do filho, o fato de sermos espectadores privilegiados da relação paterna não nos dá o direito de saber mais do que o personagem, igualmente confuso. As tensões, também retiradas da narrativa, fazem o público esperar pelo clímax tanto quanto Nicolás possa ter esperado por um pedido de desculpas.

A áurea de mistério que paira confunde os sentimentos mais fáceis. Torcer por Nicolás e contra Jorge é o óbvio, mas não deixa de ser uma opção deliberada, motivada pelo instinto de proteção ao mais fraco, do que justa. É na tentação de lermos o filme por completo que percebemos as nossas limitações. Julgar por antecipação não é menos equivocado. Ao buscarem incessantemente o rosto do protagonista, os enquadramentos tentam nos dar uma pista do futuro, o mesmo futuro indecifrável para o qual apontará o olhar do garoto, em uma das cenas finais. Os enquadramentos tentam em vão, pois o personagem desconfia de nós tanto quanto do pai.

A suspensão da narrativa, a impenetrabilidade dos personagens e a homogeneidade do ritmo nos remetem ao cinema cardinal de Lucrecia Martel. Seja ao O Pântano (2001) ou A Menina Santa (2004), o que impera é a indefinição das ações. Longe de fazer um filme anímico, Murga carrega A Terceira Margem com pólvora, transformando-o em pura potência, prestes a explodir, como na melhor tradição existencialista.

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