Sinopse
Crítica
Quase tudo em La Vanité se passa no quarto de motel onde o arquiteto David (Patrick Lapp) decide abreviar a própria vida, em virtude de uma doença incurável que lhe consome. Sem coragem para suicidar-se, ele recorre a uma associação que promove eutanásia. Esperanza (Carmen Maura) é a espanhola designada a orientá-lo nos últimos passos, certificando-se não apenas de que as coisas corram dentro dos protocolos, mas também de que ele, o membro – há uma recusa em usar a palavra cliente – esteja seguro da decisão tão importante e definitiva. Embora calcado numa realidade possível, o longa-metragem do diretor Lionel Baier possuiu inclinação à fábula. Isso fica evidente, de cara, no cenário, principalmente no proposital artificialismo do céu estrelado que oferece um pano de fundo especial à construção circundada por toneladas de neve. É um conto de Natal, no qual o protagonista deseja morrer.
A almodovariana Carmen Maura interpreta uma mulher simples, que está ali para fazer a vontade do homem cuja cicatriz se deixa perceber toda vez que ele tira o gorro vermelho. A testemunha que daria o endosso ao procedimento se recusa na última hora, o que obriga a dupla a buscar outra pessoa. O imigrante Tréplev (Ivan Georgiev) aceita a missão, desde que isso não atrapalhe seus programas, afinal de contas ele é um michê que atende na porta ao lado. Fica claro o percurso conciliatório que Baier começa a desenhar quando o trio de junta. A ligação improvável vai gradativamente enfraquecendo a resolução de David, embora ele relute até mesmo em dar sinais de dúvida diante dos coquetéis preparados para sua partida. Ao espectador resta acompanhar as eventuais discordâncias surgidas na interação dos amigos ocasionais, e a compaixão que os une, a despeito da superficialidade inicial dos contatos.
A narrativa de La Vanité é entrecortada por lampejos do passado, época evocada por imagens em preto e branco do motel, carregadas da alegria dos verdes anos, vividos mais especificamente ao redor da piscina. David, que projetou o lugar com a falecida mulher, também arquiteta, se ressente da falta de motivos para continuar prolongando uma luta que parece previamente perdida. Essa relação dos espaços com os afetos é subaproveitada, embora constantemente trazida à baila como dimensão imprescindível às intenções do filme. O que verdadeiramente se sobressai são os vínculos estabelecidos, a solidariedade que desempenha a função de argamassa a unir os personagens. Essa valorização das pessoas só é possível por conta do ótimo desempenho do elenco, a começar por Lapp, ator que expressa, alternadamente, dores existenciais terminais e um insuspeito e crescente desejo de ficar.
Tréplev funciona como alívio cômico, não raro roubando as atenções, com seu otimismo oferecendo contraste à situação para a qual é convidado. La Vanité se apresenta como uma comédia dramática curiosa, que nem sempre consegue transcender as próprias limitações. Estas dizem respeito, em grande medida, à maneira acomodada com que Baier conduz a trama após estabelecer suas bases conceituais, tanto no que diz respeito à forma quanto ao conteúdo. Sem muitas surpresas ou aprofundamentos, acompanhamos a trajetória de um homem que não enxerga mais a beleza no viver, de uma mulher que tem lá seus motivos para aproximar-se dele, e do estrangeiro que guarda em sua aparente ingenuidade a força ligeiramente perdida pelos mais velhos ao longo dos anos. Não é uma realização notável, mas merece créditos, especialmente pelo tempero agridoce e o carisma da gente em cena.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Chico Fireman | 7 |
Ailton Monteiro | 7 |
MÉDIA | 6.7 |
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