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Crítica


4

Leitores


9 votos 7.4

Onde Assistir

Sinopse

Solteira, Akiko é uma jovem mãe com uma rotina complicada. Quando seu filho adolescente ensaia despertar um mundo fora de seu controle, a tragédia se imporá de modo irreversível.

Crítica

Um dos grandes problemas de parte considerável do cinema contemporâneo é a redundância. Talvez por não confiar na capacidade cognitiva dos espectadores, alguns roteiros empilham repetições para mensagens e/ou pontos de vista ficarem bem claros. Em Laço Materno há uma dedicação quase exaustiva à reafirmação de que Akiko (Masami Nagasawa) é a pior mãe do mundo. Negligente com o pequeno Shuhei (Sho Gunji), irascível com a família cansada de sustentar sua vadiagem e um não menos destrutivo vício em jogo, ela tem poucos instantes para ser de fato alguém. O cineasta Tatsushi Ohmori a reduz a um acúmulo de irresponsabilidades e comportamentos absolutamente reprováveis, não deixando espaço para percebermos, quem sabe, suas motivações, impossibilidades e afins. Essa mulher que parece não se sentir confortável seguindo os protocolos da vida considerada normativa – trabalho, convenções domésticas, obrigações diante dos que a circundam – é reduzida a uma vilã insensível, incapaz de um pingo de solidariedade diante do sofrimento precoce do menino.

De modo igualmente recorrente, vemos Shohei tendo de se virar sozinho, cumprindo tarefas que a mãe desavergonhadamente lhe atribui. Ao invés de focar-se na investigação do laço, observando os mecanismos da fidelidade canina da criança intermitentemente exposta a maus tratos e outras situações deploráveis, Laço Materno prefere acumular eventos de tons bastante parecidos, embora a sua variação circunstancial permita o entendimento da amplitude desse quadro doloroso. São raríssimos os instantes em que, por exemplo, a porralouquice de Akiko se converte em algo positivo, como na breve cena dela subvertendo as regras da piscina para que o filho tenha um episódio de diversão. O envolvimento com um sujeito desprezível, as mentiras contadas às autoridades para gozar de benefícios, a agressividade direcionada aos pais idosos, a vultuosa crueldade materna, enfim, todo esse conjunto se torna sufocante, principalmente porque o filme não se empenha em compreender a personagem. Ela está ali (existe) apenas para contrapesar a bondade do garoto.

A fim de assimilar essa falta de afinação de Laço Materno, é imprescindível colocar em perspectiva o prisma por meio do qual a história é contada e o tempo conferido ao mesmo. Ao optar por privilegiar a experiência de Shohei, o cineasta Tatsushi Ohmori deliberadamente deixa de lado a averiguação da personalidade materna, o que se prova contraditório diante do espaço a ela conferido para repetir-se. Por conta dessa desarticulação narrativa, tanto o comportamento de Akiko quanto as respostas passivas do garoto acabam simplesmente virando contingências, como se a agressividade da adulta fosse praticamente natural e a impassibilidade infantil tivesse uma essência simetricamente imponderável.  Na medida em que o filho cresce, passando a ser interpretado por Daiken Okudaira, com o acréscimo da caçula também vulnerável, o filme ameaça estabelecer um conflito, mas o mata por inanição, aos poucos, por não nutri-lo com nuances. É como se o discurso sustentasse que as coisas são como podem ser naquela dinâmica que, assim, aponta a um beco sem saída.

A adolescência, que traz aberturas a um mundo por Shohei ignorado, prevê possibilidades auspiciosas a Laço Materno, chegando a esboçar uma tese acerca desse isolamento social como o maior culpado pela obediência cega do agora rapaz. Porém, seguindo na toada de pesar a mão para reafirmar as mesmas coisas de antes, ou seja, que Akiko é incorrigível e Shohei a seguirá até o fim do mundo se for preciso, Tatsushi Ohmori continua lançando luz sobre as atitudes grosseiras dela e as demonstrações quase sobre-humanas de resiliência dele. Ademais, o filme passa displicentemente por certas ocasiões, vide a tentativa de assassinato que impõe a necessidade de esconder-se, completamente esquecida tão logo a morte do sujeito seja descartada. Por um lado, o longa se empenha para que o espectador não tenha quaisquer dúvidas a respeito do que são feitas as pessoas em cena e até aonde algumas conseguem resistir se penhorarem o próprio bem-estar altruisticamente. Por outro, evita investigar esses personagens com atenção, lendo-os reiterada, superficial e preguiçosamente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Ticiano Osorio
9
MÉDIA
6.5

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