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Sinopse

Katherine está presa a um casamento de conveniência. Casada com Boris Macbeth, a jovem agora se vê integrante de uma família sem amor. Apenas quando embarca em um caso extraconjugal com um trabalhador da propriedade do marido que as coisas começam a mudar. Ela só não contava que isso iria desencadear vários assassinatos.

Crítica

Baseado no livro Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, do russo Nikolai Leskov, Lady Macbeth aborda de maneira contundente o contexto social que regia os relacionamentos na Inglaterra do século XIX. Katherine (Florence Pugh) se casa por conveniência com Alexander (Paul Hilton) numa cerimônia vista rapidamente, apenas pelo prisma dela. Ao invés de apostar na angústia desbragada da menina compromissada em decorrência de acertos comerciais e, portanto, de uma conjuntura alheia à sua vontade, o cineasta William Oldroyd deixa que as próprias situações se encarreguem de traduzir o que o semblante consternado da protagonista expressa nas minúcias. O aspecto sonoro é muito importante neste filme empenhado em deflagrar das pequenas às grandes violências que marcam o cotidiano dos personagens. A indiferença do noivo, por exemplo, é evidenciada pelos barulhos secos da sua chegada abrupta fora de quadro. Esse arranjo narrativo, que faz do som aliado da imagem, enriquece o longa.

Embora tudo parta da protagonista constantemente em conflito por conta das obrigações do matrimônio, há muito mais ocorrendo ao largo de sua experiência íntima. O realizador faz da sutileza o signo principal à construção de uma atmosfera que abraça as pessoas em cena como se quisesse sufoca-las, uma a uma. A submissão do marido de Katherine, por exemplo, é instituída como característica imprescindível no transcorrer de uma cena simples, em que ele, diante da solicitação a esposa para recolher-se cedo, consulta visualmente o pai em busca de diretrizes. Lady Macbeth oferece, de forma similar, fragmentos das agonias dos demais, encadeando-os habilmente para delinear uma moldura às ações espúrias da mulher que não vê obstáculos para permanecer ao lado de seu amante, o empregado Sebastian (Cosmo Jarvis), que assume o lugar do marido em viagem. As coisas se desenvolvem diante dos olhos da serviçal Anna (Naomi Ackie), também regida (achatada) por protocolos e tradições pétreas.

Em Lady Macbeth há diversas questões, de esferas distintas, porém complementares, sendo discutidas em meio à tragédia desenhada gradativamente. A opressão às mulheres é a mais patente, pois repleta de matizes, especialmente ao se deslocar da patroa acossada pelos homens, pai e filho, que dela se apossaram, à empregada fadada à vassalagem, inclusive por ser negra. Aliás, há espaço para uma discussão subjacente, mas extremamente fecunda, sobre tensões raciais vigentes. A virtual chefa da casa é ora amável, ora cruel com a menina que a espiona para os patrões. A obediência da criada é uma espécie de salvo-conduto, mantendo-a protegida de algo que Katherine não experimenta na pele, apesar de sofrer os seus tormentos. Não há bondade que resista à torrente de brutalidade, às frequentes respostas ríspidas aos ditames de uma coletividade que sequer poupa o herdeiro, homem obrigado a casar-se com a desconhecida por mera incapacidade de desafiar o pai guardião da moral.

Não se trata, puramente, de relativizar comportamentos hediondos demonstrando sofrimentos generalizados. William Oldroyd não está em busca de desculpas ao desvario de Katherine, à vassalagem de Anna, à passividade de Alexander ou aos modos instáveis de Sebastian. O cineasta está mais preocupado em mostrar a variedade de reações possíveis às estruturas castradoras que impõem papeis sociais para gente nem sempre disposta a desempenhá-los. A natureza cumpre papel importante no engendramento dessa complexidade, pois reflete a dualidade dos personagens. Os ventos gélidos, contra os quais a protagonista é advertida pelo sogro, podem libertar ou matar, dependendo a intensidade da exposição. A estrutura patriarcal, talvez, seja o que mais sobressai nesse compêndio de sintomas venosos, articulados de tal maneira inteligente que, mesmo sem relevar determinadas ações, entendemos perfeitamente as instituições como o verdadeiro câncer.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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