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Sinopse

O drama romântico Deixe-me, filme Maxime Rappaz, roteirista de Conquistar, Amar e Viver Intensamente (2018) aqui estreando como realizador, tem como protagonista Claudine, uma mulher que vai semanalmente a um hotel na montanha para encontrar homens de passagem. No entanto, essa rotina é colocada em risco quando um desses homens decide prolongar a estadia por causa dela.

Crítica

Claudine não é, definitivamente, uma mulher qualquer. É daquelas que, por onde passa, os pescoços de qualquer um ao seu redor se viram em sua direção. Ainda mais morando num pequeno vilarejo incrustado no meio dos Alpes Suíços. A beleza natural daquele lugar transborda por todos os lados, da mesma forma como uma sensação de imutabilidade e permanência. Essa é a vida que tem, as decisões de um passado que parece cada vez mais distante a levaram até esse momento, e nada que faça poderá ser capaz de alterá-lo. Ou, ao menos, é o que sente dentro de si. As suas obrigações, afinal, são maiores do que as vontades que, porventura, possa nutrir. A essas, dedica apenas um dia na semana. Um momento de transformação, quando se permite ser outra pessoa, ou aquela que sempre sonhou, que mantém dentro de si, longe de todos, ao alcance apenas de estranhos. É um instante que ganha espaço em um cenário maior, mas o suficiente para se perder – ainda que a porta de saída não saia de vista. Deixe-me é sobre isso: dar a si mesma a anuência para ser mais e além daquilo com o qual se acomodou com o passar dos anos. Uma decisão dura, talvez a mais difícil, mas tão urgente quanto necessária. Assim como esse filme, que envolve sua audiência aos poucos, quase sem esforço, mas de maneira a não permitir um retorno sem consequências.

Esses são os anseios, ou melhor, as angústias dessa que hoje aparenta muito já ter tido ao seu alcance, mas que, agora, se vê obrigada a um contento com o mínimo. A primeira impressão é se tratar de uma prostituta. Não aquela versão hollywoodiana, acostumada a pintar figuras como Audrey Hepburn ou Julia Roberts nos seus vinte (ou mesmo trinta) e poucos anos dando vida a profissionais do sexo. Jeanne Balibar (vencedora do César de Melhor Atriz por Barbara, 2017) é uma mulher de meia idade que, ao mesmo tempo em que não se esforça em esconder as marcas do tempo, sabe também como lidar com essas e com a genética com a qual foi abençoada. De comum acordo com o atendente de um resort frequentado apenas por turistas ou viajantes ocupados, em dois ou três olhares é capaz de escolher a sua “vítima” (ou seria “sorteado”?), o homem a quem irá seduzir e levar para a cama. Parece o comportamento de uma viúva negra. Mas nada mais longe da verdade. Seu interesse por estes parceiros de ocasião é exatamente assim, meramente passageiro. O foco está em si, no prazer que poderá alcançar e na fuga, por mais breve que seja, a qual poderá experimentar.

Será somente no segundo desses encontros fortuitos que o espectador terá acesso a algo que foge ao padrão: após o gozo, o homem lhe alcançará uma nota de grande valor, a qual será prontamente recusada por ela. “Você é muito gentil, mas não será preciso”, se justifica, terminando de se vestir e partindo em seguida. Se este comportamento não é motivado pela busca de recursos financeiros, o que a instiga, portanto? Assim, a partir do momento em que captura o olho de quem observa, o diretor Maxime Rappaz (roteirista de Conquistar, Amar e Viver Intensamente, 2018, aqui estreando como realizador) desiste de qualquer possível atropelo para o desenrolar de sua história. Afinal, o que se percebe com o andar dos acontecimentos é que esses, enfim, em nenhum instante chegam a ser tão importantes quanto aquela que os vive, os experimenta e, portanto, com seus desdobramentos se vê obrigada a lidar.

Claudine é uma costureira de mão cheia, e possui uma boa clientela. Mais do que isso, é uma pessoa com o dom de ler os demais. Então, não impõe padrões e diretrizes, mas ocupa seu tempo, sim, em tratar de adaptar o que sabe aos interesses dos que dela se aproximam. Um vestido um pouco mais longo, um babado a menos, uma reforma capaz de salvar o investimento: detalhes que para muitos passariam desapercebidos, mas que, com ela, fazem a diferença. Ela bem sabe o quão importante é estar atenta àquilo que mais ninguém vê, um condicionamento que assumiu a partir da criação do filho, um homem adulto, mas vítima de paralisia infantil, fazendo dele, atualmente, não mais do que uma criança. Dependente dela em todos os sentidos, do emocional ao físico, é também uma prisão ao qual os dois se veem encerrados: ela que acredita ser a única capaz de cuidá-lo com o carinho que merece, ele que vê nela o amor e o ódio somente gerado por alguém que nunca conseguirá se expressar por completo. Dentro desse cenário, um homem conseguirá ver Claudine além da máscara de tranquilidade e controle que ela se esforça em ostentar nesses dias de fantasia. A dúvida, no entanto, está em descobrir até que ponto ele será uma resposta, ou não mais do que um caminho a uma nova – e possível – realidade.

Rappaz, por mais que esteja no domínio da narrativa, acerta ao construir essa parceria com uma intérprete segura do que tem em mãos e ciente do que fazer para alcançar o resultado por ambos almejado. Balibar do início ao fim esconde um mundo dentro de si, e quanto menos fala, mais se expressa, seja através de um olhar profundo, ou mesmo por meio de gestos que comunicam além do que talvez ela próprio gostaria de revelar caso fosse essa uma escolha dotada de menor relevância ou mesmo capaz de se mostrar satisfeita tanto no sim como com o não. É por ela, e nela, que Deixe-me vive e se impõe, e em mais de um aspecto, partindo da disposição assertiva como o drama desta vida vai sendo aos poucos revelado, como também pela maneira que essa tomada de decisão se assume, não ficando restrita a uma ou outra interferência, mas fazendo jus ao desespero silencioso de alguém que, mais do que se encontrar em outro, o que busca é, enfim, libertar-se de si mesma. Um fim que, por si só, é também um começo. E um mais do que desejado, mas também justo, consigo e com os demais.

Filme visto online durante o 76º Festival de Cannes, em maio de 2023

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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