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Sinopse

Elder administra um hotel familiar que se encontra à beira da falência. Em paralelo, seu casamento está em ruínas. Abusando de álcool e drogas, ele se envolve com os mistérios de um grupo problemático de hóspedes, incluindo uma prostituta que desaparece.

Crítica

Elder (Marco Ricca) administra um hotel próximo da falência, transformado em motel pelos habitantes do bairro. A esposa demonstra insatisfação com o casamento, sem provocar reação do marido. Os funcionários alertam para um casal brigando e quebrando objetos no apartamento 31, porém o dono desconversa. Um possível comprador para o hotel bate à porta, fazendo chantagens, mas Elder ignora. “A gente devia chamar a polícia”, implora uma das duas únicas funcionárias do empreendimento, no entanto, o patrão evita tomar uma atitude. Diante de um jovem em overdose, fica parado, observando. Lamento (2019) deseja que o espectador se identifique com o homem em profunda crise financeira, afetiva e pessoal, entretanto fica difícil nutrir empatia pelo herói passivo ao limite da catatonia. Ele passa os dias sentado em seu escritório, o olhar absorto, prometendo resolver as pendências em breve. Trata-se do tipo de protagonista em torno do qual as ações acontecem, embora ele não seja responsável por nenhuma delas. O proprietário do Hotel Orleans é chantageado, ameaçado, rejeitado, pressionado, ridicularizado. O excelente Marco Ricca faz o possível para construir a perturbação interna do sujeito apático, embora o roteiro e a direção dificultem a tarefa. Então, entra em cena o deleite do mundo cão, ou a “descida aos infernos”, como diriam os franceses: o personagem em dificuldade vê sua situação piorar cena após cena, possibilitando o prazer de filmar a decadência.

Lembro os tempos de faculdade de cinema, quando os jovens colegas propunham experiências movidas pelo princípio do impacto, associadas ao caos romantizado e colorido. Nada era mais interessante do que mulheres seminuas, revólveres, carreiras de cocaína, gente que gritava por-ra-ca-ra-lho bem alto, enchendo a boca. Os professores alertavam para a armadilha da estética da pobreza por um ponto de vista burguês e afetado, mas a turma erra irredutível: a cada novo curta-metragem, lá estavam os bandidos, os atores de gestos grandes, os enquadramentos inclinados e rebeldes, a perspectiva de uma “vida louca” extraída de Trainspotting: Sem Limites (1996), Clube da Luta (1999) e Réquiem para um Sonho (2000), referências maiores desta miséria pop, mal ajustada à sociedade brasileira. O drama brasileiro leva esta perspectiva ao longa-metragem, com bons atores à frente de um jogo de sensacionalismo estético. Sem saber, na época da faculdade, fazíamos um audiovisual teen e heterossexual (algo que faz sentido a partir do momento em que se estabelece uma cultura queer), do tipo que adora colocar armas nas mãos de homens emasculados para empoderá-los, oferecendo-lhes os cargos de mocinhos (Elder) e vilões (Carlos, Luciano), enquanto as figuras femininas oscilam entre santas (Otília, Rosa) e prostitutas (Letícia e as personagens sem nome interpretadas por Camila Favero e Laysa Machado), funcionando como mero empecilho no percurso dos homens. 

Há inúmeras maneiras de filmar a violência: com distanciamento ou proximidade, de maneira crua ou sugerida, pelo prisma do estranhamento ou naturalidade. Neste caso, apesar do ponto de vista colado às experiências de Elder, o roteiro abre brechas para devaneios perversos/eróticos quando um estupro é registrado em plano subjetivo, com a câmera sobre o corpo da atriz, os seios expostos, a expressão nítida de dor, medo e desconforto. As luzes abraçam o vermelho profundo, convertendo os flashes reincidentes num sonho erótico. Sem surpresa, as mulheres têm a nudez completa revelada pela imagem, ao contrário do homem com quem fazem sexo. Elas seduzem o pobre dono do hotel, rebolando nuas na cama ou pulando no colo dele - a insinuação voltada a Elder se dirige também ao espectador. Estas mulheres não possuem vida fora do hotel ou dos sonhos masculinos, enquanto os homens saem para a rua, buscam cocaína no bar ao lado, roubam carros. Elas pertencem ao espaço privado, e eles, a qualquer espaço que desejarem. A misoginia do discurso vai além do machismo dos personagens, atingindo a própria narrativa, que demonstra preocupação nula com a subjetividade e os destinos das figuras femininas - vide a penúltima cena e a despreocupação com o futuro de acompanhantes e prostitutas. 

Lamento diverte-se com a construção de cenários multicoloridos, filmados em planos inclinados conforme Elder mergulha no álcool e nas drogas. Os cineastas Cláudio Bittencourt e Diego Lopes têm a mão pesada para lidar com atores e manipular o espaço-tempo. Os quartos e salas são muito vermelhos ou amarelados, os flashbacks com ameaças do empresário se tornam verde-azulados, assim como as externas no topo do prédio e a bordo do carro. As sequências noturnas na casa de Elder ostentam uma luz azul tão forte entrando pela janela que o espectador pode temer pela chegada de um disco voador para abduzir o herói. O hóspede grosseiro se assemelha a um vilão de quadrinhos (gritando sem parar, mandando a acompanhante calar a boca embora nunca se escute a voz dela, cercando-se de cocaína e vendo filmes pornográficos); o protagonista fragilizado dorme no corredor de casa em posição fetal; a esposa lê detalhes de um contrato em questão de segundos; o colega celebra a tristeza com um brinde: “Afinal, fodido, fodido e meio!”. A banda sonora combina ruídos, o tique-taque de relógios e uma melodia imponente para despertar o suspense. A construção exagerada se posiciona num limbo incômodo: o filme está tão distante da verossimilhança esperada de um longa realista quanto de propostas assumidamente surrealistas (como Barton Fink: Delírios de Hollywood, 1991).

“Para fazer um filme, basta ter uma arma e uma garota”, dizia ironicamente Jean-Luc Godard, num aforismo que tem sido adotado literalmente por muitos diretores de cinema. Lamento se encerra na bolha do cinema-fetiche, com pouco a dizer a respeito da exploração financeira de que Elder é vítima, de sua crise de meia-idade, da violência e da desigualdade. Faltaria adaptar os referenciais norte-americanos ao Brasil próximo do espectador - esta trama poderia se passar em qualquer cidade e época, visto que a economia, a política e as configurações urbanas estão ausentes. Quando se liga a televisão, encontra-se - adivinha? - um alerta sobre o sujeito procurado, de modo a informar o espectador. Este mundo acessório onde os quartos têm aparência de estúdio, os diálogos se prestam a frases de efeito (“Quer ensinar o padre a rezar a missa?”), e o mundo existe apenas para o protagonista resulta numa forma anacrônica de audiovisual. É preciso destacar os méritos de Marco Ricca, Verônica Rodrigues e Renet Lyon, operando milagres diante das possibilidades oferecidas. A cena final resume a proposta da obra: trata-se de um instante de forte impacto visual, que não resolve o conflito de nenhum dos personagens em cena. Ora, os autores jamais se importaram com estas figuras mesmo: eles só queriam ver o circo/hotel pegar fogo.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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