Crítica
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Sinopse
Lampião, Governador do Sertão: Expõe a trajetória de Virgulino Ferreira da Silva, examinando sua jornada histórica e os mitos e polêmicas que o cercam. A reputação de Virgulino como um líder cangaceiro temido e impiedoso durante sua vida é contrastada com o poder duradouro de seu legado cultural. Selecionado para o 34º Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema (2024).
Crítica
A mais recente empreitada do cineasta Wolney Oliveira chega a um terreno já bastante explorado pelo cinema, mas sua proposta é oferecer abordagem multifacetada sobre a figura de Virgulino Ferreira da Silva, o célebre Lampião. O cangaceiro, com sua trajetória marcada por violência e mito, já foi revisitado inúmeras vezes, do clássico O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, até o irreverente O Cangaceiro do Futuro (2022), que insere o personagem em contexto pós-moderno. Contudo, Lampião, Governador do Sertão não se limita à repetição de narrativa conhecida, ele ambiciona transitar entre história e mito, com olhar plural que privilegia o testemunho de figuras que, direta ou indiretamente, viveram a era do cangaço. O título se distingue pela forma como articula a política, o bom humor e o jornalismo, garantindo reflexão instigante sobre a construção da lenda.
Uma das maiores forças da obra está na pluralidade das vozes que compõem seu tecido narrativo. Com aparições de figuras como Ariano Suassuna, ex-cangaceiros, historiadores e cidadãos diversos, Lampião, Governador do Sertão evita o maniqueísmo ao apresentar cada depoimento com a mesma seriedade e respeito. As histórias contadas, muitas vezes imersas em tom de memória afetiva, são tratadas com equilíbrio, sem que nenhuma perspectiva prevaleça sobre a outra. A montagem ágil, marcada por cortes dinâmicos e frases impactantes, contribui para que os 90 minutos de longa passem rapidamente, mantendo o espectador atento e reflexivo, mesmo que a obra não traga reinvenção radical do gênero. A abordagem de Oliveira é mais sobre a interpretação e o resgate da figura de Lampião do que sobre qualquer tentativa de reconfigurar o próprio mito.
Ao dar destaque à relação entre história e mitologia, Lampião, Governador do Sertão oferece análise perspicaz sobre como figuras de grande relevância, como Lampião, transcendem a simples dicotomia de herói ou vilão. A obra não busca resolver o paradoxo moral em torno de sua figura, nem se preocupa em apresentar visão definitiva sobre sua vida e ações. Pelo contrário, o que se destaca é a constatação de que figuras como ele, pelo simples fato de se imortalizarem na cultura popular, adquirem status de símbolos, seja no papel de heróis para uns ou de bandidos para outros. É a ideia da construção da memória, da forma como o Brasil e o mundo se apropriam dessas narrativas, o que confere à obra caráter de grande profundidade. Em vez de polarizar, abre espaço para o questionamento e reflexão. Um acerto tanto narrativo quanto conceitual.
Por fim, Lampião, Governador do Sertão se configura como valioso objeto de estudo. Ao englobar diversidade de vozes e depoimentos, se distancia da ideia de versão única sobre o cangaceiro, proporcionando panorama rico e múltiplo sobre seu legado. Wolney, que já havia abordado o tema do cangaço em Os Últimos Cangaceiros (2011), revela-se novamente cineasta habilidoso para tratar de questões históricas e culturais com sensibilidade. O resultado é um trabalho que, mais do que entreter, provoca o espectador a refletir sobre o impacto de figuras históricas no imaginário coletivo. Certamente, gerará debates atraentes.
Filme visto durante o 34º Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema (2024).
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