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Sinopse

Paul e Erasmus formam um casal que vive discutindo um com o outro por coisas banais e levam uma vida cheia de extravagâncias. No entanto, os dois precisam dar um jeito e se acertarem quando recebem a tarefa de cuidar de um garoto de 10 anos.

Crítica

Esta comédia parte das melhores intenções: o diretor e roteirista Andrew Fleming adapta uma história pessoal que levou mais de dez anos para concretizar. Por meio da comédia agridoce, equilibrando piadas com momentos dramáticos, oferece a história de um casal gay em crise, cuja obrigação repentina de adotar um garoto – na verdade, o neto de um deles – coloca o instinto paterno de ambos à prova. A certa altura da trama, fotografias de famílias homoparentais sorridentes desfilam pela tela, tratando de expandir a história de Paul (Paul Rudd) e Erasmus (Steve Coogan) para um âmbito universal. Gays podem ser ótimos pais, defende a produção, mesmo que a criança chegue sem ter sido planejada, para um casal que jamais tenha cogitado adotar antes. Além disso, os atores principais estão comprometidos em mostrar uma visão despojada e carinhosa de um relacionamento entre dois homens: este é um dos raros filmes em que os maridos de fato se beijam, se abraçam, fazem sexo.

No entanto, o resultado é bastante prejudicado pelo fraco roteiro, que mereceria muito mais trabalho e desenvolvimento devido ao seu tempo de gestação. A narrativa divide a vida de Paul e Erasmus em blocos: num primeiro momento, ambos se dedicam exclusivamente ao trabalho num programa de televisão cafona – parte relacionado à culinária, parte ao “bem-estar e modo de vida”, algo que nunca fica muito claro. Quando o pequeno Bill (Jack Gore) entra na vida deles, as obrigações profissionais desaparecem por completo, e a trama se foca apenas nos conflitos familiares típicos: ser respeitado pelo menino, introduzir hábitos saudáveis na casa, descobrir a psicologia particular das crianças. No terço final, outra reviravolta faz com que trabalho e Bill saiam de cena para que a trama se concentre apenas na crise afetiva entre os dois homens, cujos problemas matrimoniais tinham sido suspensos até então. A montagem avança bastante no tempo, salta etapas, introduz ameaças de infidelidade que jamais tinham sido insinuadas até então, lança problemas de saúde inesperados, introduz acidentes convenientes à trama. Lar Ideal (2018) consiste numa sucessão de blocos que não se contaminam.

Teria sido muito mais orgânico descobrir como as demandas do trabalho, o desgaste no relacionamento e a paternidade se entrelaçariam, assim como na vida de qualquer pessoa. Ora, Fleming se mostra incapaz de desenvolver a permeabilidade entre vida pessoal e vida afetiva, ao mesmo tempo em que recorre a uma sucessão de deus ex machina, ou seja, a cada vez que um impasse se apresenta, um elemento externo, que sequer havia aparecido na trama até então, surge para resolver os problemas (especialmente na cena do acidente). Personagens que pareciam fundamentais aos conflitos, como a assistente social Melissa (Alison Pill) e o colega de trabalho Tino (Evan Bittencourt) são subaproveitados, para não dizer totalmente descartados pela história. A premissa parte de um conflito inicial (um casal prestes a separar se torna pai adotivo de uma criança que não conhecia), para então minimizar as tensões conforme a narrativa avança: a criança logo se habitua ao lar, e a única malcriação consiste em recusar a merenda da escola ou não querer dizer o próprio nome – numa das gags mais mal resolvidos da comédia, diga-se de passagem. Para um projeto destinado a refletir as dificuldades da paternidade, o filme trata o garoto adotivo como um colega dormindo na casa alheia por alguns dias. As atitudes controversas dos pais não possuem consequências legais, morais nem simbólicas: eles riem diante da bronca de uma professora, desprezam os conselhos da assistente social, e a vida segue adiante.

Em paralelo, o projeto faz propaganda extensiva de uma rede de fast food mencionada diversas vezes, mostrada em mais de uma cena e descrita como a perfeita comfort food para um instante de crise. Isso sem falar nas paisagens esverdeadas e amareladas por curiosos efeitos de filtros, no espaço mal explorado da casa onde se passa pelo menos metade da trama e na edição pouco cuidadosa no terço final. O diretor encontra sérias dificuldades em trabalhar gradações e sutilezas. Para um projeto tão querido, Lar Ideal transparece a impressão de descaso técnico e de elaboração apressada. Mesmo o equilíbrio entre drama e comédia demonstra problemas: Fleming atenua as piadas, tornando-as um tanto apáticas, enquanto reserva o drama para reviravoltas abruptas e melodramáticas. Em outras palavras, temos menos uma comédia dramática no sentido estrito do termo, supondo a mistura de ambos – o que prevê a possibilidade de fazer piadas em momentos tristes, e enxergar a dor de cenas engraçadas -, do que uma comédia interrompida por inserções pontuais de dilemas sérios demais para um projeto de estética tão leve.

Interpretado enquanto homenagem à homoparentalidade, o projeto justifica sua abordagem, ainda que por um viés ambíguo: se pretendia não transformar a homossexualidade de Paul e Erasmus num conflito dentro da trama – algo plenamente justificável –, porque o diretor faz da sexualidade a “moral da história” nos minutos finais? Fleming pretendia refletir sobre os dilemas universais da paternidade, ou sobre os conflitos específicos de homens gays no que diz respeito à criação dos filhos? Ambos caminhos seriam louváveis, porém se contradizem dentro do roteiro. A brincadeira de colocar atores heterossexuais no papel de gays, e atores assumidamente gays no papel de heterossexuais constitui uma iniciativa interessante, por sugerir que todo intérprete poderia ser capaz de encarnar qualquer orientação sexual (o que não valeria para a identidade de gênero, é claro). Além disso, Paul Rudd e Steve Coogan são especialistas num humor mais contido, sabendo tratar os personagens gays com respeito. Sobra afeto e falta refinamento cinematográfico nesta comédia de poucos risos e dramas fáceis. Ao menos, se os casais (heterossexuais e homossexuais) se identificarem com este olhar particular sobre a vida burguesa e gay, pelo menos o filme terá estabelecido uma forma de conexão genuína.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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