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Crítica


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Sinopse

Dois jovens se amam, mas precisam ultrapassar barreiras para viver essa paixão. Ele, detido numa prisão, sentenciado por roubo de casas. Ela, uma vendedora ambulante que mora na periferia.

Crítica

Las Ranas (2020) foi selecionado dentro de um festival europeu de documentários, numa sessão dedicada às experiências de “ultrarrealismo”. O termo se justifica: neste projeto, o cineasta Edgardo Castro oferece uma forma de cinema brutal, avessa a qualquer explicação ou intervenção no meio. A referência do título (as “rãs” são um apelido na Argentina para esposas de presidiários) fica por conta do conhecimento do público, ou da procura posterior à sessão. Os nomes dos personagens surgem apenas nos créditos finais, enquanto se evitam letreiros, entrevistas, datas, locais, e até conversas entre as figuras principais. Durante a quase integralidade deste longa-metragem, a câmera acompanha Bárbara Stanganelli, mulher que efetua idas e vindas a um presídio na periferia de Buenos Aires para encontrar o marido, Nahuel Cabral. Ela acorda de madrugada, pega ônibus, trens, metrôs até chegar ao local onde o rapaz a espera. Os jovens se olham durante muito tempo, um tanto cansados, sem saberem o que dizer. As conversas se limitam ao trivial: “Tudo bem?”, “Sim, tudo bem”.

Em primeiro lugar, esta abordagem permite fugir à armadilha da espetacularização do universo carcerário. Brigas entre gangues, planos de fuga ou confrontos com o Estado são substituídos pelo olhar plácido, rotineiro, das caminhadas entre celas, passeios pelas ruas e esperas no ponto de ônibus. O diretor preserva na montagem um material que a maioria dos autores dispensaria em nome do ritmo ágil. Aqui, a dilatação temporal constitui uma finalidade, um objeto de estudo por si próprio. Pouco importa o motivo que levou o homem de 23 anos à prisão, ou sua previsão de soltura – isso nunca vem ao caso, posto que juízes e advogados são ocultados da trama. A narrativa se reveste de melancolia, cansaço, espécie de sono inesgotável devido à ausência de perspectivas de mudança. Bárbara vai ao centro da cidade para vender meias, raramente compradas pelos passantes. No dia seguinte, repete a tentativa. Ela deita a filha pequena na cama, tira os sapatos da menina adormecida, e num simples corte da montagem, veste mais uma vez os sapatos para saírem de casa. Apesar da dinâmica etérea, o projeto retira qualquer momento de poesia, contemplação ou respiro. Os personagens são presos a um ciclo vicioso.

Em segundo lugar, Castro busca compensar a aparência de frieza com a extrema proximidade da câmera. O cineasta jamais espia seus personagens à distância, pelo contrário: ele se cola aos rostos, ao corpo nu do homem tomando banho e cobrindo um grave ferimento no abdômen, ou ainda na nudez das mulheres enfiando celulares, cigarros e comprimidos na vagina para levarem aos esposos. O plano de detalhe da vagina penetrada pelo telefone celular pode gerar certo desconforto, no entanto, as personagens não demonstram qualquer perturbação pela presença da câmera a poucos metros de seus rostos e genitais. O olhar da direção se torna simultaneamente invisível e colado demais aos rostos, numa abordagem rara: como o autor obteve tamanha confiança e despojamento de seus protagonistas, para invadir a intimidade de modo quase despercebido? Existe um pacto de confiança notável entre as duas partes: é preciso acreditar profundamente na boa vontade alheia para se entregar sem vaidades ao registro de ilegalidades. E sim, vemos os celulares retirados da vagina, além de homens usando drogas escondidos no banheiro (embora a câmera se encontre lá dentro). A nudez se torna descompromissada, banal, em os corpos desprovidos de vigor ou pulsões.

A curiosa maneira de conduzir o tema resulta num filme triste, além de implicar num posicionamento político específico. O autor poderia observar a desumanização do sistema carcerário pelo prisma da denúncia, ou ainda da manifestação de piedade em relação aos presos. Ora, o discurso se priva de qualquer articulação socioeconômica a partir deste estudo de caso. Assumindo a postura de um pesquisador dedicado, Castro sustenta a metodologia de um observador em processo inicial de contato com aquele meio, ou seja, numa fase anterior àquela de lançar hipóteses e reflexões a respeito destas mulheres e destes homens. Ele propõe a crônica de um desgaste físico e moral, visível nos rostos desolados, nas viagens longas e na repetição de situações dentro da prisão. Estamos distantes do conformismo: o olhar da direção demonstra clara preocupação com as pessoas retratadas, acompanhando-as na função de cúmplice silencioso, disposto a aprender com Bárbara e Nahuel, ao invés de ensiná-los algo a respeito de suas vidas. Em paralelo, os julgamentos morais seriam incompatíveis com este registro tão cru e esvaziado de sentimentos.

Nota-se uma delimitação conceitual clara por parte do cineasta, disposto a colar o dispositivo aos corpos, esperando que representem por si mesmos a condição social à margem. Ele acredita na força das imagens, e também na expressividade dos rostos, deixando ao espectador que manifeste empatia ou descaso pelos protagonistas. A narrativa se cola ao cotidiano desprovido de surpresas e objetivos – esta é uma forma de cinema dedicada aos processos, à dilatação do tempo, e à máxima atenção oferecida a uma realidade adversa. Assim, o espectador sem relação pessoal com o meio carcerário poderá se enxergar nestes trabalhadores explorados, precários, e nas figuras presas à rotina. Talvez esta seja uma história de amor, ou pelo menos de resiliência, no sentido que os personagens se ajustam da melhor maneira possível ao sistema, cavando as brechas que permitam alguma forma de prazer (o sexo, as drogas). A história começa sem um princípio (a ordem de prisão), e se encerra sem um desfecho propriamente dito (a soltura, ou a evolução do relacionamento). Castro busca um curioso registro da permanência de sentimentos e condições sociais em meio adverso.

Filme visto online no 11º Festival Internacional Pachamama - Cinema de Fronteira, em maio de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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