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Crítica


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Sinopse

Skunk é um jovem músico, revoltado com a opressão e o preconceito diários sofrido pelas comunidades de baixa renda, que busca expor sua insatisfação através da música. Um dia, ao fugir da polícia, literalmente esbarra em Marcelo, um vendedor de camisas de bandas de heavy metal. O gosto pelo mesmo estilo musical os aproxima, assim como a habilidade de Marcelo em compor letras de forte cunho social e questionador. Impulsionado por Skunk, ele adentra o universo da música e, juntos, formam a banda Planet Hemp.

Crítica

Legalize Já: Amizade Nunca Morre se debruça tanto sobre os episódios capitais à gênese da banda Planet Hemp quanto nas particularidades de dois sujeitos periféricos que fizeram da indignação com um sistema excludente o seu grito de liberdade. A fotografia dessaturada de Pedro Cardillo sobressai desde o início, especialmente por potencializar a expressividade da “sujeira” que o filme assume como elemento intrínseco ao cotidiano nas áreas economicamente menos privilegiadas de uma cidade heterogênea como o Rio de Janeiro. A linguagem que os diretores Johnny Araújo e Gustavo Bonafé imprimem é de urgência, com a câmera na mão, em boa parte do filme, ancorada na essência dos personagens. A embalagem tem, ainda, uma musicalidade que remonta às influências de Marcelo D2, vivido por Renato Góes, e Skunk, interpretado com gana por Ícaro Silva. Até quando o roteiro incorre numa convenção batida, como o encontro fortuito – obra do destino? – que muda a vida dos protagonistas, há a intenção de sublinhar a dureza do desenho social. Eles se esbarram ao fugir da polícia, escapando do “mal-entendido” com fundo racial e do “rapa” contra os pobres.

Na medida em que demonstra o envolvimento gradativo de Marcelo e Skunk, Legalize Já: Amizade Nunca Morre aborda uma série de desigualdades e situações que servem de motor à fúria compartilhada. Um deles está diante de dificuldades familiares, com o pai o expulsando acintosamente de casa e a namorada precisando de dinheiro para fazer um aborto. O outro enfrenta de cara limpa uma doença devastadora como a AIDS, sofrendo silenciosamente, recusando ajuda. Os realizadores investem bastante tempo na delineação dos dramas humanos que revestem as letras do Planet Hemp de autenticidade e pungência. Não estamos diante de uma cinebiografia edulcorada, de algo que doura a pílula, ainda que fique evidente a admiração como nutriente nos dilemas principais. Embora, por exemplo, não se detenha firmemente na investigação da conduta de D2 com a namorada Sônia (Marina Provenzzano), o músico é visto como uma vítima, principalmente, da falta de carinho no lar, o que ele tende a reproduzir, assim oferecendo contextos sólidos.

Não faria sentido, de forma alguma, um filme sobre o nascimento de uma força artística tão contestadora como o Planet Hemp ser enquadrado de maneira “careta”. Apostando nisso de alimentar a narrativa com a essência da banda, tornando-a vital, Johnny Araújo e Gustavo Bonafé circunscrevem boa parte da trama nas ruas rabiscadas de uma metrópole repleta de abismos. Mesmo as cenas nos famosos arcos da Lapa são caracterizadas por esse ímpeto de desvelar o que está por trás da idealização, o concernente, na maioria das vezes, somente aos moradores, aos convivas, e que escapa aos olhos dos turistas, por exemplo. Aliás, as duas tomadas nos trilhos do bondinho sobre a estrutura de concreto que virou símbolo da carioquice boêmia são belíssimas, tanto do ponto de vista plástico quanto do dramático. Alçada a elemento central, a amizade é um laço estabelecido aos poucos, com evidentes contratempos e problemas de entendimento mútuo. Renato Góes cria um Marcelo D2 que precisa apenas de um empurrão para entender seu potencial artístico, um rapaz cheio de confusões e dúvidas. Já Ícaro Silva encarna um tipo trágico, que não viverá para ver o sucesso.

Na seara dos acertos, Legalize Já: Amizade Nunca Morre ainda escancara uma crítica ao ambiente da cultura popular brasileira dos anos 90 recheado de músicas de duplo sentido e coreografias sensuais, como a do hit Na Boquinha da Garrafa. É nesse cenário empobrecido, de letras com rimas fáceis e movimentos eróticos, que surge o Planet Hemp, apontando o dedo às discrepâncias sociais brasileiras, defendendo a maconha como uma planta inofensiva diante de tantos males celebrados comercialmente e não estigmatizados. Há o retrato de dois artistas retirando do dia a dia de agruras a inspiração necessária para fazer um som de qualidade, que rapidamente cai nas graças de muita gente. Todavia, há igualmente o cuidado de mostrar esses jovens, recentemente saídos da adolescência, deparados com um mundo inclinado a achatar suas aspirações, a enquadra-los em moldes e, metaforicamente, acondiciona-los em caixinhas. Não é um filme “comportado”, tem imperfeições e inconsistências. Contudo, até elas conferem personalidade ao relato, compondo-o.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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