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Crítica


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Sinopse

Famoso pela habilidade como lutador de rua no East End de Londres, Lenny McLean expurgou boa parte dos traumas de sua infância em brigas amadoras e depois no ringue praticando pugilismo, no qual teve um arquirrival.

Crítica

Lenny McLean (Josh Helman) se expressa melhor por meio da violência. É impondo a sua desproporcional força física que ele também ganha reconhecimento e passa a ser temido na vizinhança. Invicto em brigas de rua, lutando completamente sem equipamentos, se torna um animal desgovernado que sequer para quando o oponente está no chão, esvaindo-se em sangue. O cineasta Ron Scapello, como faz em boa parte dos instantes de agressividade exacerbada do protagonista de Lenny Sem Luvas, apresenta paralelamente os maus-tratos sofridos na infância, impostos pelo padrasto perverso. E isso se torna uma muleta. Sempre que sente a necessidade de proteger Lenny, de alguma forma sustentando que sua personalidade arredia nada mais é do que fruto dos sofrimentos da meninice, o realizador volta a mostra-lo no passado sendo apequenado pela brutalidade alheia. É clara a tese de que Lenny se tornou um produto do lar em que cresceu. Se recebesse amor, talvez tivesse se tornado menos irascível e não reproduzisse automaticamente essa intensa selvageria.

Embora não seja de todo inválida, a proposição perde força pela maneira como o cineasta a reitera sem variações. É como se, inseguro quanto à potência da mensagem, ele precisasse martela-la toda vez em que Lenny corresse o risco de se tornar repugnante aos olhos do espectador. Pena que essa vontade não o motive a observar o personagem com outros parâmetros, que não o tire da área de conforto onde o passado é o único  motivo para as coisas serem assim. O personagem é complexo, mas a abordagem o reduz drasticamente. A construção de sua influência nas cercanias não contempla exatamente o desenho dessa paisagem. Não basta a sequência em que o briguento vai sinalizando, a cada pessoa encontrada, o quanto ele pode ser útil ou um empecilho, isso de acordo com a posição assumida diante das circunstâncias. Ao tentar criar uma lógica narrativa mais fragmentada, Ron Scapello acaba passando batido por determinadas situações. Por exemplo, os efeitos do quase assassinato do primo depois de uma discussão banal regada a álcool e palavras atravessadas.

A composição de Josh Helman é exagerada, vide os tantos tiques nervosos, as caras e bocas que denotam uma vontade de saturar, mais do que necessariamente aproximar-se do personagem factual – que aparece em imagens de arquivo durante os créditos finais sem trejeitos tão exorbitantes. Todavia, nas cenas em que a câmera intenta demonstrar Lenny descompensado, especificamente nos acessos de raiva, essa caracterização funciona um pouco melhor, sobretudo porque aí os excessos são bem-vindos. Lenny Sem Luvas tenta colar-se ao filão cinematográfico que mostra personagens erráticos e/ou fracassados encontrando redenção no ringue, momentaneamente atraindo holofotes e admiração alheia. Mas nem essa dimensão é bem construída no filme. A trama compreende três duelos com um sujeito temível, neles novamente recorrendo à dura experiência infantil para modular oscilações e viradas emocionais. O fato do oponente ter a alcunha de Patrão, palavra utilizada pelo padrasto para gabar-se de sua autoridade, é um gatilho disposto superficialmente nessas lutas.

Há alguns instantes de arrojo em Lenny Sem Luvas, como a sequência de sonho que acaba num milagre literal e a cena do protagonista cantando uma música romântica ao espancar alguém. Porém, convenientemente, Ron Scapello evita demorar-se nos efeitos dos atos de Lenny, a julgar pelo quase apagamento do episódio da tentativa de homicídio. Progredindo em desabalada carreira, valendo-se sempre dos mesmos componentes para desenhar o pugilista das ruas como alguém moldado por um mundo vil e injusto, o longa-metragem acaba rapidamente caindo num terreno ordinário, especialmente pela forma como deixa exposta essa análise enviesada e parcial de uma personalidade tão febril e controversa. No fim das contas, o mais memorável deste filme é o fato dele ser o último de John Hurt, num papel minúsculo do núcleo que se encarrega de oferecer algum respiro ao conjunto. No mais, se trata de um trajeto cheio de elipses que se encaixam desajeitadamente nessa frágil curva dramática repleta de simplificações, com excepcionais rompantes de uma boa estilização.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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