Crítica
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Sinopse
Após os ataques terroristas ao jornal Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, o premiado documentarista Raymond Depardon iniciou uma turnê. Com seu trailer, passou por várias cidades da França para ouvir o pensamento dos cidadãos sobre a situação do país.
Crítica
A ideia de Les Habitants é simples e atesta uma predileção diretiva pelo acaso, por possibilidades, sobretudo as temáticas, surgidas em virtude da falta de um direcionamento estanque. O cineasta Raymond Depardon opta pela itinerância, transitando por cidades francesas do interior a fim de desenhar um painel que, tampouco, aspira a tornar-se peremptoriamente representação de algo específico. Em cada paragem, o trailer utilizado na viagem é estacionado. São convidadas duas pessoas, segundo a narração, aleatoriamente, para dar prosseguimento às suas conversas dentro da estrutura cuja janela oferece um quadro limitado da localidade. Não há, sequer, pauta. Os assuntos são determinados pelas duplas, variando desde questões absolutamente particulares a outras concernentes a aspectos político-sociais franceses. O todo aqui fica completamente subordinado à potência das frações.
Les Habitants é um longa-metragem de observação. Depardon demonstra interesse pelas singularidades, mas procura, pela via da montagem, tornar os bate-papos mais objetivos e, na medida do possível, promover encadeamentos entre falas, inclusive, aparentemente díspares. Idosos discutem acerca das mudanças drásticas pelas quais a França tem passado ultimamente. Logo depois, jovens se debruçam sobre assuntos de ordem privada, como as roupas a serem compradas para o bebê prestes a chegar, quem cuida do quê de acordo com o sexo da criança, entre outras particularidades. Como as cidades são essencialmente pequenas, prevalecem pontos facilmente associados ao cotidiano menos atribulado das localidades distantes da capital. Nesse sentido, surgem a preocupação com a aposentadoria e transformação gradativa da paisagem humana local, com o acréscimo de gente e culturas.
Há apenas um tópico relativamente recorrente em Les Habitants que é a saída dos filhos do lar de origem e os efeitos disso na relação com os pais, que se sentem abandonados. Sintomática dessa investigação é a reação da mulher diante da decisão do rebento já adulto de ter uma vida em Paris, onde oportunidades, inclusive as de emprego, são abundantes, segundo ele. Les Habitants nos prende aos colóquios exatamente porque Depardon sabe extrair deles o sumo, evitando bolsões de desinteresse. Embora não se proponha firmemente a fazer da habilidosa correlação a principal operação de seu documentário, apostando na potência das peças isoladamente, há a competente captura de certo zeitgeist, principalmente levando em consideração as características hegemônicas da amostragem. Relacionamentos amorosos também são tratados como prioridade pelas pessoas, que divagam frequentemente a respeito.
A trilha sonora a cargo do oscarizado Alexander Desplat dá conta de tornar esse percurso peculiar, justamente por acompanhar com tons amenos os deslocamentos do trailer, sempre de um mesmo ponto de vista. A música dá ao filme um caráter de leveza. É curiosa essa radiografia francesa que Depardon faz a partir do interior, ou seja, prescindindo de exemplos da metrópole, talvez por entender-se mais próximo do essencial nas localidades em que traços tradicionais, como a vivência familiar, respeitam outro andamento e dinâmica, não tão influenciados pela exasperação cosmopolita. Somente num dos encontros se acessa a famigerada xenofobia francófona, com senhoras dando graças pela ausência de imigrantes e negros nas ruas, chamando-os de ruidosos, entre outras coisas. Les Habitants não é afeito a postular teses, mas a examinar o prosaico em busca da essência popular da França profunda.
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