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Crítica

Seja você cinéfilo de carteirinha ou não, já deve ter ouvido falar que o cinema produzido na Rússia, terra da vodka, não é dos mais fáceis e nem sempre desce redondo. Apesar de seu peso histórico, não raro, o primeiro contato com as novas produções ficam restritas aos que se aventuram em eventos do circuito internacional. Leviatã não foge a regra. Exibido e premiado em alguns festivais, saiu de Cannes com o prêmio de Melhor Roteiro e, da Mostra de São Paulo 2014, aclamado pela Associação Brasileira dos Críticos de Cinema – Abraccine. Felizmente, a produção estreia no circuito brasileiro e, concordando ou não com a crítica, porque prefere ter a própria (isso é ótimo), ou considerando premiações irrelevante, vale o aviso: essa obra não é complicada e deixar de assistir, por preconceito, pode ser um crime. As evidências são muitas.

Na história, um homem vive tranquilo em um lugar isolado da cidade grande, com seu filho e esposa. Sua rotina passa por mudanças significativas quando um político local, interessado na propriedade dele, começa a exercer uma forte pressão. Com a negativa da venda, a justiça (e a injustiça) bate à sua porta, na medida em que uma misteriosa especulação imobiliária fala mais alto. Indignado, ele busca auxílio com um advogado, amigo de longa data, que compra o barulho e enfrenta os poderosos, mas acaba escondendo dele uma desagradável surpresa. Como era de se esperar, tendo em vista o lugar em que tudo acontece, a corrupção já dá sinais de que corroeu até mesmo os pilares daqueles que representam a fé.

Misturando amor, política, família e religião no mesmo tonel, o roteiro coloca o espectador numa estranha atmosfera e faz isso através de alguns elementos, como a música ou a falta dela. Grandiosa, ela surge pontual na abertura em total conluio com imagens incríveis de um lugar inóspito e espetacular, anunciando o que está por vir e, aos poucos, será revelado. Prelúdio de uma ópera composta pelo cultuado e premiado Philip Glass (As Horas, 2002), ela retorna no fechamento, resgatando a hipnose inicial, que já tinha sofrido uma evolução contínua. Com mais de 30 prêmios na carreira (olha aí eles de novo), o cineasta Andrey Zvyagintsev chega ao seu quarto longa e repete, pela terceira vez, a parceria com o roteirista Oleg Negin e a (exótica) atriz Elena Lyadova. O bom elenco tem ainda Vladimir Vdovichenkov (360, 2011), Roman Madyanov (um prefeito dignamente nojento), o jovem Sergey Pokhodaev (na foto com o significativo esqueleto de baleia) e outros bons coadjuvantes desconhecidos.

Entre as curiosidades, o duplo sentido do título Leviathan (original), que pode remeter à Besta no texto bíblico do Livro de Jó (citado no filme) ou aos pensamentos do filósofo-político inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que em publicação com mesmo nome evoca a existência de uma autoridade inquestionável, acima de tudo e de todos. Esse "poder", e como os homens lidam com ele, é que é destilado ao longo da trama corajosa que cutuca nesta ferida e usa uma dose de humor e sarcasmo regado ao famoso líquido cristalino, para tirar sarro dos antigos e atuais governantes daquela potência. Seu maior defeito, sem dúvida, é o tamanho. Se fosse mais curto (tem duas horas e vinte de duração) teria outro alcance, não perderia ritmo (uma pena) e o desfecho poderia ficar ainda mais satisfatório. Mesmo assim, seja bem-vindo ao cinema russo em forma de sátira.

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