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Sinopse

A luta estudantil foi muito importante como processo de resistência ao regime militar que governou o Brasil a ferro e fogo durante 21 anos. Liberdade e Luta foram tendências abraçadas como estandartes que, uma vez fundidas, criaram Libelu, adjetivo que se tornou sinônimo de radicalidade.

Crítica

Diante da demanda de radiografar o passado, de refletir acerca dele, o cineasta Diógenes Muniz recorre ao conhecido combo “material de arquivo + depoimentos”, bastante comum nesse tipo de documentário, por questões um tanto óbvias. Em Libelu: Abaixo a Ditadura, filme sobre o grupo estudantil Liberdade e Luta, organização trotskista que teve atuação importante na luta estudantil nos anos 1970 – ou seja, em plena ditadura civil-militar –, ele articula as entrevistas a fim de gerar um painel amplo, partindo de pequenos fragmentos de entendimentos e reminiscências. Homens e mulheres outrora irmanados em torno de pautas progressistas olham de modos parecidos para trás, ora recorrendo espontaneamente ao tecido das memórias, ora sendo instigados por fotografias ou iconografias específicas. Repensam o que aquele momento intenso representou às pautas democráticas nos anos de repressão. O filme tem três partições praticamente distintas. A primeira é consagrada à gênese e ao aspecto histórico da Libelu; a segunda sinaliza episódios específicos como exemplos de atuação e postura; e a terceira, a instigante, leva a pensar aquilo com os olhos do agora.

O grande trunfo do realizador de Libelu: Abaixo a Ditadura, na primeira etapa, é a contundência das falas atreladas ao vasto material de arquivo, bem distribuído dentro da estrutura narrativa. Provavelmente para evitar um caráter meramente expositivo, Diógenes provoca bem-vindas fricções entre aquilo que os depoentes dizem – embora pudesse gerar tais contradições em mais vezes –, além de ilustrar enunciados com fotografias, recortes de jornal, participações dos membros da Libelu em programas televisivos, etc. Em suma, a meia hora inicial é quase completamente dedicada à compreensão de como surgiu, de que maneiras atuava e quais as suscetibilidades enfrentadas pela célula. Um dos pontos altos é a observação do time de jovens idealistas como frequentemente desprestigiados por alas da esquerda militante tidas como sisudas. Ao contrário do cartesianismo das palavras de protesto, das canções que martelavam a necessidade de resistir nas linhas, mas, principalmente, nas entrelinhas, eles tinham uma atuação mais lúdica, entendendo que contrapor-se também significa engajar e saber utilizar as ferramentas de convencimento criadas nos âmbitos dos dominadores.

Na área intermediária, a dos episódios, o filme oferece um percurso repetitivo, quando não extenso para além do produtivo. Os esmiuçar das assembleias, as divergências surgidas no seio do movimento considerado radical dentro do guarda-chuva estudantil universitário da época, as articulações que evadem os muros da faculdade e se espraiam às ruas, tudo isso vem ao encontro da compreensão do Libelu como grupo que logo ganhou a notoriedade. Mesmo sendo o mais frágil dos segmentos, este ainda é beneficiado pela vivacidade das falas dispostas prioritariamente como se numa função de autocompletar. Fulano fala algo, resgatando um episódio pitoresco ou apontando a um elemento que porventura poderia passar despercebido e, claramente, essa informação é colocada adiante a outras pessoas, para que estas tenham sua oportunidade de, talvez, ampliar a abrangência da pontuação. Há três câmeras frente aos entrevistados: uma, a prioritária, a que os enquadra ligeiramente de modo oblíquo; a outra, pouco utilizada, que captura a lateral de quem fala; e, por fim, aquela que registra o circo cinematográfico, englobando o entrevistador e os demais membros da equipe.

Essa variedade de ângulos serve somente para conferir diversidade visual, base da boa dinâmica oferecida pela montagem de André Felipe. Finalmente, a fração derradeira de Libelu: Abaixo a Ditadura é a mais consistente, por produzir reflexões decorrentes do choque entre passado e presente. Alguns dos antigos integrantes da Libelu se tornaram membros proeminentes do pensamento bandeado à direita, ou seja, tiveram suas inclinações ideológicas alteradas. Ex-colegas mencionam a “virada de casaca” de gente como o jornalista Reinaldo Azevedo e o sociólogo Demétrio Magnoli, porém os próprios são pouco questionados a respeito dos motivos que os levaram a trocar drasticamente de posição no jogo político. Contudo, para além da determinação de utopias perdidas e/ou corrompidas, algo fundamentado na entrevista do ex-ministro Antônio Palocci em sua prisão domiciliar, está a possibilidade de ponderar acerca dessa transição entre o ímpeto juvenil e a acomodação burguesa imposta por engrenagens da organização social que, logo, assimila irascíveis e gradativamente os coloca em mansidão. Porém, há bem mais espaço à autoironia do que à real autocrítica.

Filme visto online no 25º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, em setembro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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