Crítica
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Sinopse
Por conta da pandemia, Sara, Lia e Léia precisam dividir um pequeno apartamento e aprender a conviver. Depois de receber uma proposta irrecusável, as três partem para Maragogi, em Alagoas, para animar uma festa secreta e respirar outros ares durante a pandemia.
Crítica
Em busca de uma definição resumida de Licença para Enlouquecer podemos dizer: metade filme de pandemia, metade comédia sobre sudestinas de classe média tentando se encontrar no Nordeste paradisíaco. As protagonistas são as amigas Sara (Mônica Carvalho), Lia (Danielle Winits) e Léia (Michele Muniz). A primeira é produtora de cinema, a segunda professora de balé e a terceira ex-esposa amargurada por ter sido trocada. Curiosamente (ou tristemente) Sara e Lia não são definidas por suas profissões – condições pouco importantes para o desenho das suas personalidades. Já Léia existe para preencher o filme com diversos estereótipos atrelados a mulheres “largadas”: dependente financeira e emocionalmente do ex-marido, além de disposta a alimentar frustrações e bolar planos de vingança. Antes que algum leitor pense algo do tipo “ah, mas se trata de uma comédia sem compromisso com a seriedade, por que perder tempo ponderando sobre isso?” é bom sempre deixar clara a importância de analisar todos os aspectos das produções, por mais escapistas que elas sejam. É o no mínimo sintomático que, das três personagens principais, as duas com profissões e atitudes emancipatórias sejam pouco elaboradas por aí. Enquanto isso a ênfase recai muito sobre a amiga sem carreira permanecendo presa ao discurso matrimonial tradicional, como se esse fosse o item mais valioso da existência.
Como na primeira linha deste texto dividimos o filme em dois, o destrinchemos por partes. Na primeira, Sara, Lia e Léia estão comemorando a virada de 2019 para 2020, desejando que o Ano Novo seja repleto de realizações e coisas boas. Mas ninguém contava com a pandemia da Covid-19 – na verdade, ela já era assunto internacional à época, mas pouca gente por aqui esperava uma quarentena mundial prolongada e um cenário tão catastrófico. O diretor Hsu Chien passa bem superficialmente pelo cancelamento dos projetos cinematográficos que cria uma situação econômica de privações a Sara e faz o mesmo com os obstáculos financeiros impostos a Lia e Léia pela crise sanitária. O mais importante é que em algum momento dessa situação toda, as três passem a morar juntas e, claro, a enfrentar dificuldades para dividir o espaço. Hsu brinca moderadamente com o choque entre personalidades conflitantes, soterrando problemas de convivência como quem varre para baixo do tapete algo que somente é relevante se estiver à vista. Quando não está, pouco importa. O realizador constantemente esconde as emoções, os contratempos e outras coisas que poderiam acentuar a gravidade desse panorama no qual as personagens estão inseridas, talvez com isso preservando o aspecto levemente cômico. Tanto que as quebras de protocolo (máscaras, distanciamento etc.) são vistas como gestos inofensivos.
Ainda nessa primeira parte de Licença para Enlouquecer, o síndico Carlos (Nelson Freitas) primeiro desempenha o papel de superego no prédio (lembrando a todos das regras para evitar a doença) e depois ganha contornos de coach motivacional (mostrando às três amigas suas essências escondidas e aquilo precisam para alcançar a felicidade). Mais do que propriamente desenvolver as personagens, o filme as modifica ligeira e esquematicamente de acordo com as conveniências, ou seja, a cada pílula de sabedoria as três acumulam milhas numa estrada de autoconhecimento desenhada como se fora um caminho calmo e sem grandes solavancos. É quando, do nada, o roteiro de Mônica Carvalho, Marcelo Correa e Michele Muniz lança mão de uma situação que providencialmente acaba com os problemas financeiros de Sara, Lia e Léia e as desloca para o ambiente paradisíaco da praia alagoana de Maragogi. Lá, Hsu Chien acaba basicamente reproduzindo vários clichês de filmes com sudestinos (ou sulistas) passando uma temporada no litoral nordestino: confusão, discursos edificantes emoldurados pelas belezas locais, o contraste entre a vida confinada da metrópole de pedra e a amplitude do recinto lindo demais para abrigar infelicidade. De quebra, há ainda o bonitão trabalhador local, neste caso Alaor (Henri Castelli), uma tentação carnal à qual as protagonistas certamente não querem fugir.
Sara e Lia são figuras com pouca personalidade própria, parecendo apanhados generalistas de características comumente associadas aos modelos femininos da classe média recentemente representada no nosso cinema – financeiramente independentes (mas não tanto, neste caso) e livres para explorar desejos sexuais (o que é ótimo). Léia, a esposa traída e largada pelo marido rico, é quem mais sobressai individualmente, fazendo o longa-metragem ser, em muitos momentos, sobre alguém que precisa aprender a se valorizar. Eucleciano (André Mattos), o ex sacana, é retratado como um sujeito disputado por duas mulheres bonitas, mesmo tendo poucos predicados que justifiquem essa batalha acirrada (ainda por cima ele tem bafo). Ninguém é capaz de dizer a Léia que ela está sofrendo por (no geral) pouca coisa? Se alguém tivesse essa presença de espírito, deflagraria, neste caso, a discrepância entre autoestima masculina elevada e baixa autoestima feminina. Aliás, é justamente pela falta de ajustes finos como esse, de um pouquinho de desenvolvimento das motivações e subjetividades das personagens, que a nova comédia com aspirações populares naufraga até como escapismo. Em vários instantes a história fica patinando, como na sedução de Sara e Alaor e na de Lia com um dos guardas do local. Então, Licença para Enlouquecer é um filme de pandemia pouco (a)efetivo e uma comédia de férias meio insossa.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 4 |
Francisco Carbone | 1 |
Alysson Oliveira | 1 |
MÉDIA | 0.7 |
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