Crítica
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Sinopse
Na elite francesa repleta de gente ardilosa, duas figuras apostam que conseguem desvirtuar uma noiva inocente na iminência de consumar o seu casamento. A ideia é faze-la trair o pretendente e produzir uma prova do ato.
Crítica
Uma mulher sem escrúpulos, traída e abandonada. Um homem sem moral na arte da conquista. Conheçam a Marquesa de Merteuil (Glenn Close) e o Visconde de Valmont (John Malkovich), dois personagens tão sedutores quanto odiosos, protagonistas do romance de Choderlos de Laclos e de Ligações Perigosas, adaptação pelas hábeis mãos de Stephen Frears. Muito além da trama permeada por sexo, romance e traições, o filme traça um curioso e autêntico retrato da mesquinhez da alta sociedade francesa do século XVIII, tão preocupada com o jogo de aparências e pouco com suas ações altamente destrutivas.
Ambos são ricaços que não têm nada para fazer. Vivem entediados com as parcas fofocas de seus “amigos”, passando dias modorrentos naquele mundo tão fechado que poucos podem usufruir, de glamourosos vestidos e perucas. Ela faz uma proposta indecente, para dizer o mínimo: que Valmont seduza e corrompa a jovem e inocente Cécile de Volanges (Uma Thurman), atual pretende de seu ex-amante, Bastide, em troca de uma noite de paixão. Ele não aceita, quer um desafio maior: conquistar a religiosa casada Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer), conhecida por sua rigidez no que tange à moral e aos bons costumes. A Marquesa aceita, mas ainda pretende se vingar do antigo companheiro, colocando um jovem e belo professor de música (Keanu Reeves) para abalar o coração da ingênua Cécile.
Com todos esses peões no tabuleiro, nada parece que vai dar errado. Logo as intrigas começam a tomar conta do que rodeia os personagens, especialmente em virtude das cartas escritas por todos os envolvidos no jogo orquestrado pela vilanesca presença da Marquesa de Merteuil. Manipuladora desde o princípio, a personagem incorporada magistralmente por Glenn Close utiliza o feminismo às avessas para atingir seus objetivos. Ela conhece o poder das palavras, a beleza das mulheres e como isto é inversamente proporcional à capacidade dos homens de resistirem a pensar com a cabeça de baixo, crendo que a presença feminina não é mais que um subterfúgio de luxuria. Pois é esse justamente o tapa na cara do autor da obra. Aqui, os homens é que se mostram os verdadeiros subjugados, caindo em armadilhas ardilosas como a da protagonista ou na sinceridade da Madame de Tourvel, por quem Valmont realmente se apaixona pela primeira vez na vida.
Não é uma história de amor que se conta. Todos nós sabemos que essa relação está fadada ao fracasso. Seja pelas mentiras contadas desde o início para seduzir a jovem interpretada por Michelle Pfeiffer, que logo fariam tal sentimento desaparecer, ou pela condição de Tourvel, casada e sem simpatia por uma separação. O que se dá são as relações hipócritas numa França pré-revolucionaria, onde as mulheres não têm voz ativa e, por isso mesmo, precisam recorrer a subterfúgios para se destacar. Não à toa simpatizamos tanto com a Marquesa de Merteuil. Ela pode ser vil, cruel, mas é um ponto de ruptura naquele nicho de pessoas conduzidas tão sem graça por uma vida de obrigações com máscaras, em que sentimentos são suprimidos em favor de uma sociedade sem moral e psicologicamente violenta dentro de quarto paredes. É um retrato que ainda ecoa nos dias de hoje, por isso, mesmo sendo um longa que possa parecer datado em sua perfeita concepção do século em que se passa, os dilemas são tão atuais.
Frears utiliza sua câmera para despir esses personagens cheios de roupas com falas-chave esplanadas em tons sussurrantes e close ups em seus rostos e olhares, que revelam muito mais do que aparentam. São pessoas tristes, mortas por dentro, por isso gostam tanto de causar mal aos outros, ainda que cubram tudo com o verniz de uma leve brincadeira. É uma atração irresistível, mas não menos culpada, especialmente do lado de cá da tela. Torcemos para os vilões, mesmo sabendo o quão errados estão, pois são eles que trazem uma policultura de vida àquela rotina monótona de visitas corteses, chás tediosos e festas nas quais importa o aparecer. Ou melhor, parecer melhor diante dos outros. Um choque de realidade tão cruel quanto sua cobertura fina e rica de ouro. Tal e qual a sociedade aqui fora.
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