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Sinopse

Jumoke e Emeka formam um casal feliz vivendo na cidade de Lagos, Nigéria. Uma noite, o casarão familiar é invadido por ladrões que não apenas roubam joias e computadores, mas também abusam sexualmente de Jumoke e fazem ameaças à filha pequena. A polícia começa uma investigação sobre o caso, apenas para descobrir uma poderosa máfia protegida por advogados de renome.

Crítica

Uma primeira dificuldade ao avaliar Uma Luz na Escuridão (2020) diz respeito ao olhar estrangeiro. Ao mesmo tempo em que felicitamos a chegada de um filme nigeriano ao alcance do público brasileiro, confrontamo-nos ao escasso conhecimento médio sobre a geografia, a cultura e a política específicas do país africano. Para o espectador que tiver contato próximo com a Nigéria, talvez a experiência diante do drama seja mais acolhedora. No entanto, quando nos deparamos com a câmera curiosamente posicionada no chão em direção ao teto, focando nos joelhos do ator em primeiro plano e deixando o rosto ao fundo, hesitamos: seria uma escolha infeliz de enquadramento ou uma imagem comum dentro das produções locais? Os efeitos giratórios da imagem no rosto das protagonistas dormindo correspondem a um maneirismo específico do diretor Eke Som Mekwunye ou possuem ressonância com outras obras da cinematografia nacional? A fotografia crua, sem muitos recursos de iluminação, se justifica pelo baixo orçamento, ou corresponda a alguma corrente naturalista da produção local?

Parte do interesse deste projeto, aos olhos brasileiros, se deve à sua própria existência no nosso circuito de streaming: o filme se torna “curioso”, por ser nigeriano. Exotismos à parte, pode-se detectar uma obra tão ambiciosa quanto desprovida de recursos para tamanhas ambições. Por um lado, o drama busca discutir a violência na cidade, a corrupção das gangues, a ineficiência da polícia, a desigualdade de renda no país, o desequilíbrio entre os gêneros, a importância de ter filhos (para as mulheres) e de prover para a família (para os homens), a diferença entre gerações, o estupro, o aborto e a vingança. Por outro lado, sequer possui ferramentas de som para captar um diálogo simples dentro de uma cozinha, ou para iluminar o espaço restrito de uma delegacia de polícia. Mekwuyne deseja fazer ousados movimentos de câmera, porém sem qualquer forma de estabilização da imagem, gerando um efeito amador. Ele pretende combinar trilha sonora com ruídos e diálogos, mas se depara com uma mixagem problemática. O cineasta busca transmitir profundo desespero no rosto de seus protagonistas, mas os dirige de modo a sublinhar demais um sentimento óbvio. Há tantas vontades quanto problemas na condução do projeto.

Ao embutir reviravoltas em excesso, o roteiro se perde em foco e ritmo. Para abordar o trauma de Jumoke, mulher estuprada diante do marido por bandidos que invadem em sua casa, Uma Luz na Escuridão planta cedo demais algumas pistas (a câmera de vídeo, a dificuldade da protagonista para engravidar, a sedução de Ifeoma) e continua acenando a estes elementos, que obviamente se justificarão mais tarde. A insistência elimina o suspense, por tornar previsível o papel destes objetos e personagens na conclusão. A filha do casal é convenientemente deixada de lado quando interessa à narrativa, ao passo que a sogra de Jumoke constitui a típica vilã perversa de telenovelas – também desaparecendo quando não é mais necessária. Um grande conflito é introduzido a quinze minutos do final, assim como algumas reviravoltas absurdas, a exemplo da câmera de vídeo convenientemente ligada no ângulo correto para flagrar um acontecimento importante. Qualquer produtor experiente podaria a atuação involuntariamente cômica de Saidi Balogun na delegacia de polícia (ou seria um estilo de atuação coerente aos olhos nigerianos?), mas o drama reflete as decisões de uma equipe iniciante.

O terço final trata de oferecer lições morais ao caso de invasão domiciliar e estupro. Neste aspecto, converte-se em fábula sobre as provações que a família precisa enfrentar para permanecer unida. O roteiro passa a sugerir que o marido Emeka constitui uma vítima do estupro tanto quanto a esposa (porque sua honra foi ferida naquela noite), e que o mais importante seria terem um filho e esquecerem o caso (“Não importa quem seja o pai, o importante é a criação”, sugere uma médica local), enquanto a filha retorna à cena para pedir um irmãozinho: “Deus, por favor, faça a minha mãe engravidar”. Partindo de um drama com toques de suspense psicológico, investigando a violência urbana, o projeto se transforma num apelo antiabortista e cristão, do tipo que acredita na necessidade de superar “pequenos obstáculos” (infidelidade, estupro, violência doméstica) em nome do matrimônio. Em paralelo, as classes mais pobres são criminalizadas, recebendo o tratamento de invejosas e perversas, por cobiçarem o dinheiro dos empresários. Novamente, a realidade do país africano pode ser diferente, assim como as relações raciais, religiosas, de gênero e classe. No entanto, para os olhos de um brasileiro de classe média no século XXI, o retrato reforça preconceitos contra grupos sociais desprivilegiados.

Este desconforto se traduz no fato de a história não ser contada pelo ponto de Jumoke, e sim por meio de um olhar externo que alterna entre ela e os demais personagens. Após a noite fatídica, quando se muda para a casa da mãe, o filme deixa de investigar o impacto da violência em sua vida. Por fim, Jumoke é definida enquanto mãe, filha e esposa, ou seja, por seus laços com os homens ou por suas “obrigações” familiares. Conhecemos pouco de seu trabalho, suas crenças, suas ambições para o futuro. É possível que Uma Luz na Escuridão constitua um olhar ligeiramente progressista em relação ao conservadorismo vigente – o diretor faz questão de dizer que a tortura foi banida dentro da polícia, e a esposa traz tanto dinheiro para o lar quanto o marido -, mas ainda faz pouco no que diz respeito ao protagonismo feminino. Ironicamente, o único instante em que a câmera assume o ponto de vista dela ocorre durante o estupro. Pelas atuações exageradas, pela vilania demarcada e pelo melodrama geral, percebe-se uma vontade honesta de colocar dedos em feridas e lançar temas morais no centro do debate. Entretanto, falta refinamento, experiência e reflexão sobre a linguagem cinematográfica capazes de estruturar a discussão.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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