Sinopse
Ao chegar a uma pequena cidade australiana a fim de investigar o assassinato de uma jovem aborígene no passado, o detetive Travis acaba descobrindo um monte de verdades inconvenientes.
Crítica
Um crime ocorrido décadas atrás. Um sentimento de injustiça que permanece mais vívido do que nunca. Um policial cansado de si e dos outros. Uma comunidade que aprendeu a cuidar de si e por si, sem esperar por qualquer tipo de ajuda externa. Um lugar perdido próximo ao fim do mundo, de onde não se tem mais esperanças, e tudo pelo que se pode torcer é por uma carona para dali ir embora o mais rápido possível. Esses são os elementos que se encontram em Limbo, um faroeste moderno filmado em um impressionante preto-e-branco quase estilizado, pois serve para reforçar através do visual uma aridez que contamina a todos que deste cenário se aproximam. Em uma região esquecida por Deus no interior da Austrália, cada uma sobrevive como quer e pode, carregando consigo cicatrizes que nunca chegam a cicatrizar por completo. Nada é o que parece, ninguém se mostra digno de confiança, e o que menos se espera pode ser a chave para um mistério que há muito perturba os que a ele seguem inequivocamente conectados. Se o estrangeiro conseguirá ou não fazer diferença, eis uma questão que, mesmo diante de um certo grau de previsibilidade, é suficientemente forte para manter o interesse de uma audiência que reconhece estar aqui diante de algo que, em última instância, ao menos se esforça em fugir do lugar-comum.
Travis Hurley (Simon Baker, que ao mesmo tempo em que não consegue deixar de lado um perfil galanteador e envolvente visto em filmes como O Diabo Veste Prada, 2006, ou na sua série de maior sucesso, The Mentalist, 2008-2015, surge dessa vez como uma figura abrutalhada e de difícil acesso, mais de que acordo com o perfil desse tipo de personagem) é o encarregado de reabrir uma investigação de vinte anos atrás. Uma garota desapareceu, e ninguém parece ter dado muita importância ao caso – ninguém, ao menos, entre os que deveriam, de fato, ter se importado: no caso, as autoridades. Como entre a comunidade da qual a jovem fazia parte a insatisfação permanece – afinal, durante todo esse tempo nenhuma explicação sobre o seu paradeiro foi oferecida – o investigador é enviado até pequena cidade de Limbo para uma análise: valeria ou não retomar esse processo? Existiriam provas que teriam sido ignoradas antes, e seriam elas fortes o bastante para justificar um novo e mais detalhado olhar? E, mais importante: seria Travis a pessoa mais indicada para conduzir esse trabalho?
A questão que se faz urgente nesse momento é que tanto a moça desaparecida – teria sido ela morta? Sequestrada? Estaria em fuga? Teria feito algo que não desejava que descobrissem? Ou fora vítima de uma violência inimaginável? – quanto os seus próximos (familiares, amigos) são pessoas vistas como aborígenes, membros dos povos originários que primeiro teriam formado a população australiana, e hoje, após a invasão dos ingleses e de outros movimentos colonizadores, se veem em condições periféricas, quase como um incômodo aos demais. Por isso, o desaparecimento de uma delas não teria motivado tamanha demanda ou mesmo interesse por parte de quem deveria cuidar daqueles sob sua responsabilidade – seja essa almejada ou simplesmente adquirida. Esse desconforto do homem branco em relação àqueles que os antecederam – e que hoje não mais reconhecem seus próprios espaços – não é uma discussão nova ao espectador brasileiro, por exemplo. Em Limbo, fica evidente que este é um debate que envolve o mundo inteiro.
Em certo momento, o vilarejo de Limbo é apresentado como se fosse a última parada antes da chegada ao inferno. A imagem é por certo forte demais, com pinceladas exageradas que servem apenas para manter afastados os curiosos, e não servir de atrativo aos aventureiros. Ninguém ali deseja revirar seus esqueletos, e Travis rapidamente irá reconhecer esta verdade, das tantas portas fechadas com as quais começará a se deparar. No entanto, não está sozinho. Do homem que busca na bebida e em outras substâncias xamânicas possibilidades de fuga ao garoto que está, literalmente, disposto a tudo para dali escapar, as mentiras que os envolvem, tanto as que lhes foram ditas como as que os próprios aprenderam a praticar, se tornarão retratos de uma sobrevivência dolorosa, de alto custo para cada um desses diretamente envolvidos, e cujo desprendimento se verificará com a mesma intensidade com que perceberam suas últimas vontades se esvaírem. Hurley, portanto, é um cavaleiro solitário, perdido entre tanta poeira e buracos sem saída, que por mais que se esforce em projetar uma imagem de respeito e controle, está tão atordoado quanto todos aqueles com os quais tem se confrontado.
Ivan Sen, diretor e roteirista de Limbo, possui uma carreira de mais de duas décadas como realizador – ou seja, está longe de poder ser visto como um novato. No entanto, com esse seu mais recente longa-metragem ele tanto investe em aparentes clichês, como se desejasse exercer comentários espirituosos a partir deles, como também vez que outra (uma frequência maior do que se poderia ter desejado) acaba nos mesmos incorrendo, mostrando-se tanto como presa quanto como predador. Um exemplo é o jantar entre o investigador e a única mulher aparentemente sóbria da região: os dois querem se conectar um com o outro, mas há tanto entre eles que era evidente que qualquer tentativa de aproximação terminaria frustrada. Os comentários das crianças e até mesmo a falta de jeito dos dois para lidar com o desconforto proporcionado pela situação emula um humor raro na narrativa, mas nunca levado adiante com o empenho necessário para se tornar relevante. Assim é o filme, que indeciso entre observar ou se envolver, deixa passar as boas oportunidades que ele mesmo dá origem, resignando-se a uma postura segura e incorrendo em poucos riscos.
Filme visto no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023
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