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Sinopse

Jung-ju perdeu o filho por causa de uma doença cardíaca e passa seus dias trabalhando, bebendo e indo à igreja, enquanto tenta lidar com a dor. Até que surge em sua vida Min-goo, um jovem que acaba de sair da prisão. O rosto do rapaz cheio de cicatrizes e sua aparência desleixada tornam difícil acreditar que ele tenha apenas 21 anos de idade. Na verdade, Min-goo é o garoto que Jung-ju sequestrou com o marido para conseguir o dinheiro necessário para a operação de seu falecido filho. Em choque com a aparição repentina de Min-goo, ela passa a se perguntar sobre a vida dele.

Crítica

O elemento que une todos os personagens deste drama é a tragédia. Jung-ju, funcionária de uma firma de limpeza, o ex-presidiário Lee Min-gu e o padeiro Tae-guy têm suas vidas entrecortadas por traumas relacionados a câncer, problemas cardíacos, criminalidade, abandono, sequestro, divórcio, pobreza, orfandade, alcoolismo, tentativa de suicídio e outras mazelas. Todos estão arrependidos de suas ações, que infelizmente não podem ser desfeitas. Por isso, vivem em silêncio, cabisbaixos, mantendo o mínimo de relação possível com os demais. Fosse um pouco mais generoso em sua carga dramática – chora-se muito pouco neste filme -, Limpeza poderia oferecer o material perfeito para uma telenovela, com sua trama de crianças doentes e pais desesperados para conseguir dinheiro, o que inclui o planejamento de um sequestro.

Esteticamente, o drama se mostra bastante competente: o jovem diretor Man-ki Kwon, recém-formado nos estudos de cinema, consegue trazer nos planos fixos e escuros da cidade uma boa representação do universo interior destes personagens. As composições em torno de Lee Min-gu e Jung-ju são elegantes, como se a câmera tivesse cuidado ao se aproximar deles, mas tampouco quisesse abandoná-los. As cenas de limpezas pesadas, em nível industrial (a exemplo do saneamento de viadutos) revelam o escopo de uma bela produção e um cuidado excepcional com o trabalho de luzes da cidade. Com exceção de alguns cortes abruptos na segunda metade da trama, o ritmo se mantém fluido, explicando com calma ao espectador a intricada rede que une todos os personagens, e as atitudes de cada um deles no passado.

Aos poucos, no entanto, Limpeza começa a introduzir símbolos que, além de um tanto óbvios, soam improváveis dentro daquele contexto. A própria metáfora da limpeza funciona com clareza dentro deste contexto: os personagens estão tentando limpar sua culpa, esfregá-la e eliminá-la, algo que nunca ocorre por completo. No entanto, o drama vai além: a protagonista se assusta ao observar as próprias mãos cobertas de sangue, em óbvio símbolo shakespeariano de culpabilidade. Enquanto isso, a fotografia da mãe falecida de Min-gu surge em local improvável e um celular está convenientemente destravado e acessível, apenas para fazer a trama avançar. Quando são contratados para limpar uma cena de crime, a quantidade de sangue espirrada por todos os lados é tão exagerada que beira o cômico. Durante uma cena erótica, o lento caminhar da personagem molhada pelo chão, deixando poças d’água por onde passa, também vai muito além do realismo.

Assim, o drama começa a explicitar conotações tão bem sugeridas até então. A segunda metade, mais fraca que a primeira, apresenta uma série de importantes cenas mal filmadas, como o sexo e o atropelamento de um cão. Nos momentos de maior complexidade emocional, a câmera se retira, e tampouco efetua um bom trabalho de som fora de quadro, que poderia servir de alternativa de representação. Os diálogos se tornam explicativos, repletos de frases de efeito, como se o cineasta não confiasse mais na potência de suas imagens, precisando explicá-las até diluir toda a capacidade sugestiva inicial. Mesmo os importantes flashbacks soam estranhos na narrativa, por mostrarem dois importantes personagens doze anos mais cedo, mas idênticos em aparência.

Embora o projeto demonstre o potencial de Man-ki Kwon e o talento considerável dos dois atores principais, muito sóbrios em seus papéis, ele se perde à medida que a narrativa avança. O filme fica soterrado pela trama rocambolesca e pela necessidade de introduzir mais tragédias, vistas como sinônimos de complexidade psicológica. Ora, o trauma inicial e a relação com a limpeza traziam elementos suficientes para destrinchar a dor desta mãe e deste jovem em luto, sem a necessidade de introduzir as cinzas de uma mulher falecida, o abandono de um pai, o alcoolismo e tantos outros conflitos que o projeto não tem tempo de desenvolver. Quanto mais drama embute na história, mais artificial ela se torna, e menos universais viram seus personagens. Ainda assim, apesar dos excessos, o projeto se destaca pela capacidade de empatia, evitando julgar moralmente seus personagens criminosos.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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