Crítica
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Sinopse
Os Estados Unidos estão divididos pela guerra incendiada pelos ventos da mudança. O presidente norte-americano, Abraham Lincoln, vai tentar de tudo para acabar com os conflitos, abolir a escravidão e reunificar o país.
Crítica
Há vários motivos que justificam o fato de Lincoln, premiado drama de Steven Spielberg, ser o campeão de indicações ao Oscar 2013. Infelizmente, a maioria deles está além da questão fílmica. Se fosse exatamente o mesmo filme, mas sobre um governante europeu, asiático ou mesmo brasileiro, é muito pouco provável que obtivesse a mesma repercussão. Isso porque estamos falando do mais estimado ex-presidente da história dos Estados Unidos, aquele que se empenhou com afinco na construção de um país moderno e competitivo, e que se tornou um mártir ao ser assassinado no fatídico dia 15 de abril de 1865, após ter se dedicado com ardor atrás daquela que foi sua maior conquista: a abolição da escravatura em seu país e a luta pelo fim da Guerra da Secessão com a união do Norte e do Sul. Ambos temas que ressoam até hoje como uns dos mais discutidos e relevantes da sociedade norte-americana.
É justamente durante este período, os últimos meses em que esteve vivo, que se debruça Lincoln, obra monumental que ganha muito pelas cinco forças que se uniram para a sua realização. Primeiro, temos o diretor Steven Spielberg em um dos seus trabalhos mais contidos e profundos. A discussão que propõe é muito séria para abrir espaço para alívios, e o discurso fortemente carregado que perdura por todo o longa reflete isso com exatidão. Depois, temos o elaborado texto de Tony Kushner (o mesmo de Munique, 2005, e da premiada minissérie Angels in America, 2003), escrito a partir da biografia de Doris Kearns Goodwin. Não se perde tempo com a origem deste homem, como era sua relação familiar primária, como conheceu a esposa ou seu ingresso na vida política. Vai-se direto para o cerne da questão, e será através dos mais singelos detalhes que o todo irá se completar. O esforço é hercúleo, mas o resultado está acima do compensador.
Os outros três vértices de Lincoln dizem respeito ao seu elenco acima da média, encabeçado pelos não menos que excelentes Daniel Day-Lewis, Sally Field e Tommy Lee Jones. O primeiro é uma legítima força da natureza, talvez o mais completo intérprete do cinema mundial atual. Day-Lewis simplesmente desaparece, e o Abraham Lincoln que cria é quase uma reencarnação, dos contatos comoventes e restritos com os familiares até os momentos de maior fúria e embate entre os colegas de profissão. Tudo está no olhar, nos pequenos gestos, na leve entonação de voz que o torna diferente de tudo que já fez antes. Por outro lado, tanto Field quanto Lee Jones apresentam registros similares àqueles que os tornaram populares, porém intensamente adequados ao que os personagens que defendem exigem. Sra. Lincoln e o republicano Thaddeus Stevens, um dos maiores líderes abolicionistas do Congresso, tiveram participações fundamentais para o resultado positivo desta batalha, e o filme – ainda que dedicado ao protagonista – não se exime de reconhecer também estes méritos.
O cinema de Steven Spielberg é muito bem dividido entre títulos fantásticos – Os Caçadores da Arca Perdida (1981), E.T.: O Extraterrestre (1982) e Jurassic Park (1993) são apenas os mais populares nesta seara – e obras de imensa conexão com o mundo real e concreto – como os oscarizados A Lista de Schindler (1993) e O Resgate do Soldado Ryan (1998). Lincoln, obviamente, se alia a esta segunda categoria, e de uma maneira tão assumida e comprometida como há muito tempo o cineasta não se demonstrava. Se em Cavalo de Guerra (2011) a emoção tomava conta, no citado Munique a temática judaica lhe era muito próxima para possibilitar um maior distanciamento. E O Terminal (2004) e Prenda-me se for Capaz (2002), ainda que inspirados em fatos reais, eram quase comédias pelo tom leve das duas narrativas. Mas agora ele retoma um cinema social e historicamente relevante, com o melhor e o pior que isso possa significar.
Spielberg continua querendo salvar o mundo, como tantas vezes já demonstrou antes. Em suas mãos está uma figura que, por si só, reflete todas as suas principais preocupações enquanto realizador. No entanto, faltou mais coragem de enfrentá-la e menos reverência ao abordá-la. O homem que vemos em Lincoln é quase um super-herói, distante do ser humano com o qual poderíamos nos identificar, ainda que sob certos aspectos. São tantos diálogos, negociatas e jogadas políticas, que lá pelas tantas tem-se a impressão de exagero, de que não teria sido necessário todos estes pormenores para passar a ideia fundamental, ou seja, que mesmo diante de tantas barbaridades, a capacidade de mudança é inata ao homem e que por ela sempre vale à pena lutar. Depois de reconhecer personalidades históricas inglesas (O Discurso do Rei, 2010), escocesas (Coração Valente, 1995), alemãs (o próprio A Lista de Schindler), chinesas (O Último Imperador, 1987), austríacas (Amadeus, 1984) ou indianas (Gandhi, 1982), talvez tenha, de fato, chegado a hora de um ícone americano receber essa honraria. Não que o filme em si mereça, mas também não será nenhum absurdo.
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