Lingui: The Sacred Bonds
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Mahamat-Saleh Haroun
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Lingui
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2021
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Chade / França / Bélgica / Alemanha
Crítica
Leitores
Sinopse
Anos atrás, Amina foi condenada ao exílio pela família ao anunciar que estava grávida. Agora, essa mulher se depara com a história se repetindo: sua filha Maria é expulsa da escola aos 15 anos pelo mesmo motivo que a desgraçou.
Crítica
Lingui: The Sacred Bonds é um filme sobre duas mulheres condenadas ao isolamento numa sociedade ditada pelas regras do patriarcado. Mãe e filha são arrastadas a um redemoinho de dificuldades apenas porque a lógica masculina que rege o seu mundo é perversa ao ponto de sentenciá-las ao sofrimento. Sobretudo, porque que tentam romper com as estratégias criadas há séculos para determinar uma brutal supremacia de gênero. Amina (Achouackh Abakar Souleymane) é apresentada como trabalhadora braçal que tira o sustento da venda de artefatos criados a partir de material descartado – no caso, fogões artesanais feitos com o arame extraído de pneus velhos. Ao longo do filme, somos informados de que sua vida entrou em desgraça a partir do momento em que anunciou-se grávida, quando se tornou “mãe solteira”. Não importa se o homem a deixou sozinha, ele sim cometendo um ato passível de reprovações. Por ser mulher e encarar a tarefa de criar a filha, foi expulsa da família e tratada como pária. O vizinho que a corteja para com ela se casar utiliza isso como argumento de persuasão: “case-se comigo, ninguém te respeita, mas não me importo com isso”. Se essa abordagem já parece nojenta no instante em que acontece, soará ainda mais sintomática do ambiente onde a masculinidade exerce onipotência quando soubermos mais sobre esse homem. Porém, o conflito explode quando a história se repete.
A filha de Amina, Maria (Rihane Khalil Alio), anuncia a sua gravidez aos 15 anos de idade. A menina quer abortar, a mãe entra em pânico porque muçulmanos (como elas) não devem sequer cogitar a possibilidade considerada pecado mortal. No entanto, Amina não demora a perceber que das duas uma: ou viola as leis dos deuses ou condena a filha ao mesmo martírio ao qual foi arrastada no passado. O embate religioso não dura muito e isso tira um pouco do peso dramático do dilema da mulher temente ao ponto de se sujeitar aos sermões do Imame local (o chefe da mesquita). O cineasta Mahamat-Saleh Haroun está mais preocupado em desenhar um painel amplo das sanções impostas às mulheres numa situação dessas do que deixar certas complexidades ganharem espaço para amadurecer e serem desenvolvidas melhor. Logo, Lingui: The Sacred Bonds se transforma numa peregrinação dessas desvalidas de gerações diferentes por cenários empobrecidos. Aliás, podemos dizer que a câmera documenta tudo isso. Embora estejamos claramente no âmbito ficcional, o dispositivo demonstra uma atenção especial ao entorno, aos espaços degradados, às ruas apinhadas, à falta de iluminação durante à noite, bem como às dinâmicas segregacionistas, tais como o fato de Amina precisar montar seu tapete de orações do lado de fora da mesquita. Há uma bela construção dessa moldura miserável.
Outro destaque de Lingui: The Sacred Bonds é a lindíssima fotografia de Mathieu Giombini. O filtro amarelado ressalta o negro retinto da pele das personagens e, ao mesmo tempo, enfatiza os tons terrosos do chão batido e das casas de barro. Também há um cuidado com a composição dos quadros e a construção de uma espécie de poesia dos desvalidos por meio da iluminação – a cena das ruas visíveis apenas por causa dos faróis dos carros e das motos é um exemplo desse capricho. Assim sendo, o experiente Mahamat-Saleh Haroun transita habilmente entre duas instâncias: de um lado, reafirma a sua filiação às premissas do Neorrealismo italiano, como um contador de histórias humanistas e atento à realidade que preenche o quadro de vida; do outro, evoca a poesia para gerar a potência da esfera ficcional. Assim, faz um elogio com tons melancólicos à bravura das mulheres que ousam pegar as rédeas da própria vida a despeito dos homens nos arredores tentando controla-las. Passado o dilema de fé (rápido demais, é bom repetir), Amina e Maria precisam, primeiro, encontrar alguém que faça o procedimento proibido e, segundo, acumular o dinheiro necessário para custeá-lo. A mensagem está bastante clara: vetado ou não pelas autoridades políticas e/ou religiosas, o aborto é algo cotidiano. E a sua proibição afeta principalmente as pobres que não podem pagar por sua segurança e saúde.
Mahamat-Saleh Haroun discute a condição da mulher no Chade em Lingui: The Sacred Bonds, colocando o dedo em várias feridas. O caminho percorrido por Amina e Maria (essa filha muçulmana com nome de ícone cristão) é demarcado por situações indicativas da opressão ao feminino no país orientado pela religião de Maomé e pelos códigos patriarcais. Aliás, o calcanhar de Aquiles no filme está justamente na forma como algumas dessas ocasiões são apresentadas/encaixadas como pecinhas de um painel maior. O repentino surgimento da irmã existe somente para acrescentar outro dado revelador, o da mutilação genital feminina, prática defendida pelos homens aferrados à tradição tacanha. Amina não via a irmã há anos e essa reconexão, quando ambas estão passando por problemas de naturezas semelhantes, soa como o cumprimento de uma meta: acrescentar mais um exemplo que incha o todo. Da mesma forma, a batida policial que adia o aborto e a súbita hesitação de alguém experiente na iminência do procedimento parecem maneiras pouco orgânicas de postergar o sofrimento da menina. No entanto, mesmo com esses momentos que possuem ares protocolares, o longa-metragem traça um painel alarmante da situação feminina diante da tentativa de manutenção do patriarcado na regência do mundo. Sorte Maria ser de uma geração pouco dada aos dilemas, que não os da própria integridade, e Amina passar por cima de suas crenças para quebrar um persistente ciclo vicioso.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 7 |
Chico Fireman | 4 |
MÉDIA | 5.5 |
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