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Sinopse

Um jovem rapaz gay, desde o seu nascimento até a adolescência, experimentou sua sexualidade e seus próprios limites de forma intensa. Isso tudo até o dia em que ele finalmente encontra seu pai.

Crítica

O título completo do longa do diretor francês Antony Hickling é, na verdade, Little Gay Boy: A Triptych, ou seja. Trata-se do capítulo inicial de uma trilogia, que foi concluída nos anos seguintes com os posteriores Where The Horses Go to Die (2016) e Frig (2018). Há, no entanto, um outro significado nem tão oculto assim: suas iniciais remetem à sigla LGBT, mais em voga no início desta década, quando ainda não havia ganho todas as demais letras indicadas para outras minorias também carentes de representatividade. O viés, portanto, é o da homossexualidade, porém uma voltada à mais tradicional de todas as histórias: o nascimento de Cristo. Hickling constrói, assim, a sua própria versão da Bíblia, incorrendo nos mais diversos excessos para, com isso, erigir a sua verdade a partir da destruição total de antigos dogmas. Se acerta sua mira? Muitas vezes sim, outras tantas não. Bem como seria de se esperar diante de alguém que demonstra tanta sede, deixando claro que não irá se satisfazer com pouco.

Dividido em três partes – Concepção, Crucificação Santa CeiaLittle Gay Boy nada mais é do que a união de três curtas-metragens do cineasta que, juntos, formam uma narrativa frágil, ainda que siga uma lógica interna bastante evidente. No começo, nos deparamos com uma prostituta obesa (Amanda Dawson) que leva uma vida sem significado até que é interpelada por uma figura etérea – seria um anjo? – que lhe anuncia uma gravidez próxima. Junto com o aviso, uma declaração: “ele se chamará veado, e será cuspido e humilhado, até morrer. Mas não se preocupe, três dias depois irá ressuscitar”. Sem dar muita atenção ao fato, a protagonista segue lidando com clientes, gigolôs e colegas de profissão. Mas, como não poderia ser diferente, sua vida mudará de forma inevitável.

É quando entra em cena Jean-Christophe – JC, de Jesus Cristo – interpretado com candura e inocência por Gaetan Vettier. O garoto franzino num momento está trabalhando como auxiliar de limpeza ou modelo fotográfico, para logo em seguida ser humilhado diante de latrinas ou através da exposição desnecessária de sua nudez. Em casa, a situação não é muito diferente. A mãe, que o explora acintosamente, não só teme pelo seu destino, como também demonstra um apetite voraz por ele, como se apenas sugando sua energia pudesse, enfim, preservá-lo. Mas uma nova reviravolta está prevista, e esta se dá quando o rapaz conhece, enfim, o pai (Manuel Blanc) – quem mais, senão o próprio Deus? – com quem acaba se envolvendo em uma relação incestuosa.

Dentre tantas situações polêmicas e provocadoras, Hickling é hábil em construir uma narrativa que evita o escárnio ou o deboche. Por outro lado, elabora uma trama com a qual evidencia a certeza do que há para ser dito. Movendo-se entre o exposto e o sugerido, a trama é conduzida entre constrangimentos visuais e momentos de pura libertação, alternando do sexo como elemento de conquista a recursos mais anacrônicos, como o sangue que jorra sem origem ou as agulhas que furam sem deixar marcas. Está no sentimento provocado por imagens como estas, mais do que no conto do Jesus gay e desorientado entre uma mãe irresponsável e um pai ganancioso, que a força do filme se deposita.

Por outro lado, é preciso reconhecer que nem sempre Hickling parece saber bem o que fazer com o caldeirão de referências que reúne em cena, e essa falta de equilíbrio fica evidente principalmente no segmento final, composto por situações de impacto – o casamento entre pai e filho – com outras um tanto perdidas – qual a função dos deuses hindus? Mesmo assim, ao atirar literalmente para todos os lados, Little Gay Boy se revela uma aposta instigante, disposta a mexer com velhas certezas e promover um debate no mínimo curioso entre aqueles propensos à nova leituras de antigas questões. O trabalho do realizador, como ele faz questão de deixar claro, não é oferecer respostas. E justamente por isso demonstra um vigor digno de atenção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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