Crítica
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Sinopse
Lola perdeu a mãe, a única pessoa que a entendia como ela, de fato, é. De posse das cinzas maternas, a contragosto partirá em uma viagem até o litoral ao lado do pai, que pretende cumprir o último desejo da esposa.
Crítica
Por mais que o tempo passe, alguns assuntos seguem urgentes. A transexualidade é um bom exemplo disso. Ainda mais quando manifestada na infância e adolescência. Um caso que se tornou conhecido pela notoriedade dos pais é o de Shiloh Jolie-Pitt – os sobrenomes entregam a paternidade, certo? Pois bem, a primeira filha biológica de Angelina Jolie e Brad Pitt, desde pequena, afirmou se identificar com o gênero masculino, a ponto de exigir ser chamada de John. Sua vontade foi respeitada, ao mesmo tempo em que lhe ofereceram acompanhamento psicológico. Hoje, aos 15 anos, em plena adolescência, voltou a se vestir com roupas femininas e atender pelo nome de batismo. Teriam sido essas transições, aparentemente, tão simples, caso não houvesse apoio dos pais? Esse é basicamente o ponto de partida de Lola e o Mar, drama vindo da Bélgica que tem como protagonistas a personagem-título, uma garota trans, e o pai, que reluta em aceitá-la como, de fato, ela é. Os mais afeitos e próximos desse tipo de debate não encontrarão nada de novo por aqui, ainda que o discurso seja dotado de sensibilidade e delicadeza. Mas há uma parcela imensa da audiência que, de um jeito ou de outro, ainda se mantém distante dessa realidade. E, para eles, é certo que encontrarão muito o que ser refletido.
O diretor e roteirista Laurent Micheli (este é seu segundo trabalho como realizador, o primeiro a ser lançado no Brasil) vai direto ao cerne da ação, sem perder tempo com explicações. É o típico caso do “vem comigo que explico pelo caminho”. Lola (uma surpreendente Mya Bollaers, atriz trans que ganhou o Magritte – o ‘Oscar’ belga – de Revelação Feminina por esse trabalho) está se arrumando às pressas, obviamente atrasada para um compromisso importante. No quarto onde se ajeita em frente ao espelho e termina de se vestir, um rapaz (Sami Outalbali, de Sex Education, 2020-2021, em participação discreta) acorda na cama de cima do beliche. Os dois se abraçam, ele lhe oferece algumas palavras de incentivo e ela sai correndo, não sem antes pedir a um adulto que encontra pelo caminho dinheiro para o metrô. O que se entende é que os jovens estão em uma espécie de abrigo, com responsáveis que cuidam deles e estão atentos às suas atividades diárias. Não estão perdidos no mundo, por mais que, em algum momento, tenham sido deixados para trás por aqueles que, com eles, deveriam se importar.
No caso de Lola, foram os próprios pais – ou o pai, para ser mais exato – que a abandonaram. Ela vive afastada da família, mas não os esqueceu. Tanto que o encontro que tinha nessa manhã era com a mãe. Não mais um como os últimos, às escondidas, apenas elas: é chegado o momento de adeus. Após um longo período de convalescença, a mulher foi levada por um câncer. Permaneceram as duas pessoas que mais amava, mas que não sabem como lidar um com o outro. Tanto é que, quando Philippe (Benoît Magimel, que à medida em que vai envelhecendo tem se revelado um ator cada vez mais interessante de se acompanhar) revê a filha no velório, se levanta apenas para expulsá-la daquele ambiente. Ou melhor, expulsá-lo. Pois, para ele, “Lola” é um nome inventado que não reconhece. Acredita existir apenas Lionel, que foi como escolheu chamar o filho no momento em que esse nasceu. Esquece, porém, que o nome é algo que é dado. E como qualquer presente, quem o recebe é que precisa decidir como usá-lo – ou não.
A partir desse embate inicial, Micheli recorre a uma estrutura facilmente reconhecível para desenvolver sua história. De posse das cinzas da mãe, Lola guarda a urna como a última memória daquela que, ainda que não tivesse conseguido se impor no âmbito familiar, a amou de verdade. Mas Philippe pretende cumprir o desejo derradeiro da esposa, que era, após a cremação, ser jogada no mar em frente à casa da praia que há anos não frequentam, mas que muitas lembranças preservam. Esse cenário permite um interessante desdobramento, que por mais que seja utilizado dentro da narrativa por meio de um desgastado flashback, permite entender como recordações podem ser tão distintas, mesmo entre aqueles que as experimentaram juntos. Afinal, enquanto os pais guardam aquele lugar como um refúgio de felicidade, Lola recorda apenas do sofrimento que enfrentava pelos maus tratos das outras crianças das redondezas. O pai lhe diz: “foi por percebermos que você não era feliz aqui que paramos de vir”. A intenção pode ter sido boa. Mas o que foi feito a partir dessa constatação? Se algo perturbava a filha – ou, na época, o filho – fugir foi a solução encontrada. Só que os problemas não desaparecem com o passar dos anos, e o quanto mais foram ignorados, mais perturbadores voltarão para assombrá-los.
Pai e filha estão no mesmo carro, juntos em uma viagem, por mais que discordem entre si. Não querem estar ali, ainda que tudo o que mais almejam seja o abraço do outro. Mas não como se apresentam: ambos querem modificar aquele ao lado, sem conseguir aceitá-lo do jeito como é. Essa aparente paridade, porém, não se sustenta. Afinal, o primeiro passo deve – e precisa – ser do adulto, de onde se supõem que venha o exemplo, a origem que irá permitir uma continuidade. O cineasta entende isso, e a relação dos seus personagens, ainda que em mais de um momento soe previsível – quando o antagonismo dita a reunião, é de se imaginar como se dará o desfecho entre eles – é feita de muito respeito e propriedade. Não se apresentam como estereótipos, mas figuras complexas, cujas atitudes podem ser compreendidas e explicadas – por mais absurdas que possam se mostrar. Lola e o Mar é um filme cuja força recai no que representa e significa, indo além de apenas uma série de acontecimentos e desencontros.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Alysson Oliveira | 6 |
MÉDIA | 6 |
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