Crítica

Apesar deste ser o nono longa-metragem do mais premiado cineasta filipino da atualidade, somente agora, com Lola, é que o cinema de Brillante Mendoza estreou no Brasil. Uma vergonha que felizmente está sendo corrigida. Pois o que vemos agora é de um primor absoluto, um cineasta em completo domínio de sua linguagem, certo do que quer dizer e, principalmente, que sabe como se comunicar. Um filme que não é indicado a todos os espectadores, somente aos mais abertos a novas propostas e a um olhar diferenciado e, não por menos, inovador.

Em Manilha, capital do país, a língua inglesa é praticamente uma imposição – está por todos os lugares, até nos órgãos públicos que deveriam ser de acesso à toda comunidade. Só que essa atitude termina por excluir a grande maioria da população, que não só ignora o idioma estrangeiro como também não possui condições de aprendê-lo. Assim, precisam se virar em casos de necessidade, e no dia a dia seguem levando como podem com dialetos locais. E numa dessas linguagens não-oficiais a expressão “lola” significa “avó”. E daí vem o título do filme: não está se falando de um nome próprio, de uma mulher em particular. O foco está em todas elas, as mulheres que conduzem uma sociedade majoritariamente matriarcal, as avós que levam consigo todo o orgulho e as mazelas da família.

Duas avós tem seus destinos cruzados por causa de seus netos: um assassinou o outro para roubar seu celular. E nisso está a trama que acompanhamos: enquanto uma delas está preocupada em arrumar dinheiro para oferecer um enterro digno ao neto vítima do assalto, a outra senhora busca não só entender o que aconteceu, como também livrar seu descendente da prisão. “Tudo o que quero antes de morrer é oferecer uma nova chance à ele”, afirma ela em certo momento. E tudo o que a outra quer é manter a família unida. Algo agora impossível, diante a morte do neto.

São tantos os signos presentes em Lola que somente os mais desatentos irão se incomodar com o ritmo lento ou estranhar um cenário tão distante do nosso. Mesmo com a língua inglesa onipresente, todos as chamam por “lola”, e sempre com muito respeito. Um país de milhões de habitantes, mas que mesmo assim procura reverenciar e aprender com seus idosos. Notável e ainda assim curioso. São vários os momentos em que a emoção brota de forma quase instantânea: quando uma das senhoras precisa ir ao banheiro e o encontra fechado, preferindo resignar-se à condição imposta do que enfrentar um encontro com os familiares do acusado; um raro momento de felicidade quando um cardume invade a casa na beira do rio, oferecendo raros instantes de fartura e sorte; a condução nos barcos durante o velório; e, por fim, o mais esperado de todos: o encontro das duas “lolas”, uma conversa em que as diferenças entre elas se tornam menores que suas similaridades, e o entendimento afinal surge.

Selecionado para o Festival de Veneza e dono de mais de 15 prêmios internacionais, Lola é uma obra bastante singular e, ao mesmo tempo, completamente universal. O diretor, em entrevista no Brasil, afirmou que dedicava este filme “à todas as avós do mundo”. Pois bem, Brillante, chegou a afirmar que uma história como essa é indicada à todas as pessoas, independente de idade, raça ou sexo. Um trabalho sensível e ainda assim muito forte, que toca o coração sem pudores, mostrando como a dignidade de uma pessoa pode estar mesmo diante os mais penosos cenários. São poucos os filmes em que o clichê “uma lição de vida” pode ser aplicado, e este definitivamente é um deles.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *