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Crítica


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Sinopse

Uma mulher leva uma vida pacata e confortável nos anos 1950 num subúrbio norte-americano. Depois de descobrir um segredo do marido, esse mundo aparentemente perfeito vai ruir aos poucos.

Crítica

O marido é lindo. A esposa é bela. Os filhos são espertos e obedientes. A empregada está sempre atenta para ajudar. A casa é grande e aconchegante. Os vizinhos são simpáticos. Os amigos, presentes. A família, respeitada e admirada pela comunidade. O emprego dele é importante. As ocupações dela são humanitárias e responsáveis. Tudo é perfeito à primeira vista. Mas, por baixo das aparências, um mundo de contradições, desesperos e tristezas encontra-se escondido, abafado, submerso. E isso não só na residência dos Whitaker, casal protagonista do drama Longe do Paraíso, mas pelo que o discurso do diretor Todd Haynes dá a entender, o mesmo deve acontecer em qualquer outro lar da América – quiçá, do mundo.

Esse é o objetivo desse filme primoroso: revelar aos nossos olhos o que habitualmente isola-se do universo exterior. A trama começa quando Cathy, magnificamente interpretada por Julianne Moore (indicada ao Oscar e premiada no Festival de Veneza), vai ao encontro do marido, que está no trabalho fazendo serão, e o vê aos beijos com outro homem. Sem saber a quem recorrer, ela encontra apoio e compreensão no seu jardineiro, um homem inteligente e educado, porém negro. Característica que, nos moralistas anos 1950, chama mais atenção do que o justificável. Os dois pontos polêmicos – os problemas conjugais dela e sua suposta relação infiel com um homem de cor – terminam por atiçar a sociedade local, que logo passa a discriminá-la. Para onde deve seguir Cathy, justamente ela que, sem fazer absolutamente nada, vê seu mundo ficar literalmente de cabeça para baixo da noite para o dia?

Temas como preconceito, racismo, homossexualidade, intolerância, desejos reprimidos, infidelidade e igualdade de direitos são explorados com igual delicadeza por Haynes, o mesmo do espalhafatoso Velvet Goldmine (1998), um dos musicais mais interessantes dos últimos tempos. No entanto, não lhe é objetivo provocar discussões acaloradas ou pregar teses sobre esses assuntos – muito antes, lhe cabe apenas demonstrar nos pequenos e vitais atos de seus personagens quanta hipocrisia pode haver nos interiores de uma família perfeita. Não existe padrão, nem certo ou errado – há, sim, seres humanos, com suas contradições, manias e anseios.

O melhor de Longe do Paraíso é a excelente demonstração que esta obra oferece a respeito de como abordar questões tão relevantes e universais com maturidade e sensibilidade, sem se perder em soluções convencionais e, pior, esquemáticas. Paralelo a tudo isso, há ainda um impressionante diálogo com uma época perdida para os mais jovens: o cinema da era de ouro hollywoodiano, da metade do século passado. Ao mesmo tempo em que impera um artificialismo absoluto nos trejeitos afetados, na trilha sonora intensa e no colorido exagerado dos cenários, são postos em debate temas necessários e aos quais não se pode ignorar, de modo como nunca naquele tempo em especial seriam encarados. É um deleite reservado apenas àqueles que se aventurarem por esta pequena obra prima, que merece inesgotável consideração e estima.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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