Sinopse
A fim de visitar sua irmã, Lucas viaja até uma região remota no sul do Chile. Diante do mar e da névoa, ele se apaixona por um contramestre barqueiro local.
Crítica
Os Fortes, longa de estreia do diretor e roteirista chileno Omar Zúñiga, é um filme que começa de forma hesitante. Os personagens vão se apresentando sem muita ênfase, chegam como quem não quer nada, sem introduções extensas ou intenções declaradas. Nem mesmo os cenários onde estão inseridos ou o que fazem por ali fica muito claro – o que se percebe em seguida é que até mesmo esses detalhes são ocasionais. Estão todos em movimento, ainda que pareçam estáticos. De passagem, indo de um lugar a outro, seja literalmente, ou mesmo no sentido figurado. Essa postura, que pode soar estranha num primeiro momento, aos poucos vai justificando seu jeito de ser: eles também estão acanhados diante dessa transitoriedade, insatisfeitos com o que veio antes e incertos sobre o que lhes espera amanhã. Essa é a maior característica de uma obra sensível, que ganha pontos tanto pelo cuidado com os detalhes quanto pela atenção que dedica àqueles em cena e também às motivações que fazem esse dinamismo se manter ativo.
Adaptação em longa-metragem do curta San Cristóbal (2015), que o diretor realizou alguns anos antes com os mesmos atores, Os Fortes é a história de amor entre Lucas (Samuel González, de Todos Juntos, 2017) e Antonio (Antonio Altamirano, de Drama, 2010). Muito mais pode ser dito a respeito, mas talvez essa rápida leitura seja mais do que suficiente. Isso porque o foco está nos dois, e a química e conexão que ambos deixam impressas na tela se deve não apenas ao fato de já se conhecerem, terem atuado juntos antes e estarem familiarizados com os personagens, mas também por acreditarem nestas figuras e no que cada uma busca e representa – para isso, basta constatar o longo compromisso que assumiram com esses destinos. São presenças bem estruturadas individualmente, com suas trajetórias e ambições, mas que se tornam ainda mais interessantes quando lado a lado. É uma soma que mostra que um mais um pode ser bem mais do que apenas dois.
Lucas está partindo. Largou a casa, deixou os pais para trás, em Santiago, e se foi para Niebla, passar os últimos dias no país ao lado da irmã, que mora na pequena cidade litorânea com o marido, antes de embarcar para assumir uma bolsa de estudos no Canadá. Ao chegar, porém, encontra Antonio, que como tantos outros da região, trabalha com pesca. Passa seus dias no mar, e as noites com os amigos, seja no bar, assistindo a jogos de futebol pela televisão, ou se entretendo no bingo comunitário com a avó. Basta um trocar de olhares entre eles para que se entendam. Não há pressa, nem afobação. Percebem de imediato que um pertence ao outro. Se querem, e também sabem esperar. Primeiro uma conversa, depois um beijo, logo estarão dividindo a mesma cama. E quando aquele que é visita suspeita ser melhor sair na ponta dos pés no meio da madrugada, o outro irá puxá-lo de volta para os seus braços. Estão felizes juntos.
Muita coisa pode dar errada numa situação dessas. Pra começar, estão no interior, num vilarejo de poucos moradores, que se conhecem e sabem tudo sobre todos. Serão vítimas de preconceito, homofobia e ataques pessoais? É fácil jogar uma pedra, mas quem irá defender abertamente uma postura tão retrógrada? Assumir-se, quando a maioria faz questão de manter a falsa de ideia de que são todos iguais – isso, é claro, desde que os diferentes se anulem – nem sempre é das tarefas mais fáceis. Sexo é amor, mas também é instinto, necessidade, ocasião. Quando um novo chega, e o sentimento que surge é mais forte, naturalmente um outro será deixado de lado. Há, portanto, a probabilidade desse, o rejeitado, agir, por ciúmes ou despeito, na tentativa de desgraçar a alegria daqueles que nem mesmo estão preocupados com ele. Familiares, vizinhos, colegas de trabalhos, conhecidos: as possibilidades de um desfecho não muito feliz surgem a cada esquina.
O grande mérito de Omar Zúñiga, porém, é justamente a habilidade que revela ao driblar desses artifícios. Melhor não esperar por uma tragédia aos moldes de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), mas também não será entregue um final feliz no estilo de O Reino de Deus (2017). Nem tanto ao céu, mas também longe do inferno. Os Fortes sabe que o primeiro a ser superado é o que se passa dentro de cada um. Com dois intérpretes absolutamente entregues, cientes das responsabilidades assumidas e dedicados a oferecer um trabalho à altura dos seus esforços, o resultado pode até soar agridoce, mas é um sorriso amargo que se faz necessário, ao menos naquele momento. Não poderia ser diferente. Afinal, quem é mais forte: o que parte ou aquele que fica? A resposta, é claro, apenas os envolvidos podem afirmar com certeza. Além disso, é sabido que o sólido hoje, amanhã pode não ser mais. E é justamente essa a maravilha do amor: se transforma, se adapta e, quando real, permanece.
Filme visto online no 48º Festival Internacional de Cinema de Gramado, em setembro de 2020.
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