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Sinopse

Uma mãe mexicana se muda com seus dois filhos pequenos para os Estados Unidos. Diante da necessidade de trabalhar para sustentá-los, ela precisa deixar os meninos sozinhos em casa. Eles obedecem a sete mandamentos.

Crítica

Uma imigrante mexicana e seus dois filhos acabam de chegar a Albuquerque, ironicamente uma cidade situada no estado chamado Novo México, no sudoeste nos Estados Unidos. Declinam diante da primeira oferta de moradia, pois o apartamento é praticamente insalubre, mas acabam voltando a ele frente às alternativas piores. De cara, e como fará em todo decorrer de Los Lobos, o cineasta Samuel Kishi, sinaliza com uma melancolia persistente a imposição de fazer certas coisas e aceitar conjunturas por conta da falta de caminhos melhores a seguir, pelo menos imediatamente. A nova vizinhança é repleta de estrangeiros. Latinos, chineses e possivelmente de outras nacionalidades ali ejetadas. Os planos ocasionais da bandeira norte-americana tremulando nesses locais degradados, aos quais os expatriados são empurrados e lá instigados a permanecer em virtude de toda uma estrutura cujo pilar é a oferta de empregos precários, são sintomáticos de uma visão desalentada. Os Estados Unidos, terra frequentemente autocelebrada como um oásis de oportunidades, possivelmente tem um ângulo acolhedor, mas reserva a priori o seu lado menos festivo aos que vêm de fora em busca de novos horizontes. Portanto, dessa dinâmica familiar surgem apontamentos sociais bem relevantes.

Lucia (Martha Reyes Arias) precisa deixar os garotos – ambos têm menos de 10 anos – sozinhos no apartamento minúsculo enquanto se consome em dois trabalhos diferentes, ambos subalternos. Com o passar do tempo, ela demora mais a retornar ao lar que gradativamente ganha indícios pessoalidade, a despeito da pobreza extrema ainda vigente. Enquanto isso, Max (Maximiliano Nájar Márquez) e Leo (Leonardo Nájar Márquez), desterritorializados e distantes de qualquer outra pessoa familiar, são instados pela necessidade a fabular um mundo naquele cubículo em que devem permanecer segundo uma das regras estipuladas pela matriarca. É muito bonita a forma como o realizador mostra a transição dos primeiros dias, com brincadeiras preenchendo totalmente esse espaço de tempo enorme entre a partida e o retorno da chefe da casa, e o tédio se avolumando à medida que as coisas apresentam sempre as mesmas cores e tons. Há um universo lá fora, que os meninos acessam à distância, a partir de uma janela que dá para o pátio do conjunto comandado por um casal chinês aparentemente hostil. Nesse andamento opressor de uma rotina improvisada, ficam subentendidos os dramas e perigos, ressaltados poeticamente pela belíssima fotografia de Octavio Arauz.

Um dos grandes destaques de Los Lobos é o desempenho em dupla de Maximiliano Nájar Márquez e Leonardo Nájar Márquez. Eles conseguem expressar o aborrecimento não apenas frente a obrigatoriedade de permanecer encerrados na nova casa, mas igualmente por terem a ciência – mesmo que esta seja uma espécie de intuição derivada da sua ainda inocente leitura da situação – de que será preciso resiliência para aguentar aquela circunstância. Samuel Kishi pontua essas demandas pessoais, acentua a frustração que vai crescentemente minando o sonho norte-americano, nisso envolvendo as demandas maternas e filiais. Habilmente, há a construção de uma expectativa quanto aos efeitos do rompimento de regras postuladas como imprescindíveis para que funcione a dinâmica imposta no cenário. Mas, o cineasta não está preocupado em orientar esse percurso por uma relação direta e estrita entre as ações e as consequências esperadas de acordo com as convenções. Quando Max resolve explorar o terreno interditado pela ordem da mãe, somos levados a esperar que algo de ruim aconteça. A tensão também é um preço a ser pago nessa jornada de juntar os cacos.

Em alguns instantes, Los Lobos utiliza como comentário as tomadas estáticas de pessoas que possivelmente moram nessa vizinhança dos protagonistas. São corpos dissonantes dos padrões, gente pertencente às chamadas maiorias minorizadas, ou seja, uma fauna específica que habita espaços geograficamente marginalizados do país que vende a igualdade de oportunidades como se ela fosse uma lógica enraizada e inalienável. De certo modo parecido com o que realizara o cineasta Sean Baker em Projeto Flórida (2017), Samuel Kishi faz da Disney o emblema de uma nação que se propagandeia como um lugar próximo ao ideal. Os meninos querem conhecer a casa do Mickey, com suas luzes e coreografias, a metáfora desses Estados Unidos romantizados. Porém, o lúdico, capaz de ludibriar, é igualmente visto como área de escape, lógica que pode servir para, por exemplo, duas crianças se travestirem de ninjas-lobos imaginados a fim de tornar a realidade menos angustiante ou, em chave diferente, para a religião entrar nessa equação como um emplastro ambivalente. Por fim, é bonito que, em meio às dificuldades, a solidariedade encontre brechas para vencer a canibalização a qual são submetidos os oprimidos, que pequenos gestos de bondade fomentem a esperança.

Filme visto online no 9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em outubro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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