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Sinopse

Revela a intimidade de Luana Muniz, que se divide entre a prostituição, a militância LGBT e os shows em cabarés. A Rainha da Lapa é conhecida em todo o Brasil pela participação no programa “Profissão Repórter” e sua aproximação inesperada com o Padre Fabio de Melo.

Crítica

Provavelmente, a maioria das pessoas conhece Luana Muniz como aquela que tornou célebre a pergunta “tá achando que travesti é bagunça?”, durante a controversa gravação de um programa televisivo. Aos frequentadores da Lapa carioca, contudo, ela é uma das personagens mais icônicas do local marcado pela diversidade da vida boêmia, comparada à Madame Satã eternizada cinematograficamente em A Rainha Diaba (1974) e Madame Satã (2002). Mas, Luana acaba de ganhar um filme para chamar de seu, ou, precisamente, um longa-metragem que dá conta de resgatar a memória de seus feitos, embora nem sempre vigoroso, mas ainda assim bem resolvido no que tange aos intentos de preservação e celebração. Luana Muniz: Filha da Lua possui uma estrutura narrativa sem arroubos inventivos ou algo que os valha, mas, especialmente da metade em diante, consegue perscrutar a protagonista com vigor.

Dirigido por Rian Córdova e Leonardo Menezes, Luana Muniz: Filha da Lua começa tentando entender o fenômeno Luana nos palcos, delineando a sua figura artístico-performática. Para isso, os realizadores recorrem a depoimentos de amigos, momentos em que a reverência se mescla com outras visões menos laudatórias. Aliás, se há um mérito permanente no filme é o distanciamento de qualquer edulcoração. Luana é vista por prismas distintos, sendo analisada sem filtros, o que esclarece a sua complexidade. Todavia, a alternância das declarações ocorre sem muita criatividade, do que decorre a banalidade de uma progressão truncada. Os ditos de Luana entrecortam o falatório alheio, por vezes os corroborado, noutras os contradizendo. Determinadas passagens que reiteram ideias já anteriormente abordadas deixam exposto o caráter recorrente da construção cinematográfica da Luana artista, uma fragilidade estrutural.

A partir do instante em que nos sentimos mais próximos da protagonista, entendendo sua irascibilidade como uma forma de afrontar o mundo que não facilita as coisas para quem é levado a viver à margem, Luana Muniz: Filha da Lua cresce sobremaneira. Outras facetas de Luana são postas em jogo, como a atividade exemplar no chamado Casarão, local em que abrigava outras travestis com problemas de permanência na cidade do Rio de Janeiro. Ao incluir novos elementos na urdidura da produção, Rian Córdova e Leonardo Menezes permitem uma melhor dimensão da representatividade de Luana à causa transexual, mas não somente. Personalidades como a cantora Alcione, sua amiga e parceira de projetos sociais, testemunham a garra dessa mulher autêntica, então cercada de hipocrisia e preconceito por todos os lados. Nem sempre de fácil trato, ela, porém, guiava seu comportamento pela justiça.

O episódio com o padre Fábio de Melo não é negligenciado em Luana Muniz: Filha da Lua, pelo contrário, sendo utilizado como sintoma da necessidade de deixar para trás as preconcepções. É mostrado o relato do pároco arrependido por ter restrições iniciais quanto a tirar fotografias com Luana, pois, logo depois, ele ficou sabendo de sua atuação junto aos desvalidos da Lapa. Ou seja, ela praticava o bem pregado exatamente por sua religião, no fim das contas, tão discriminatória. O saldo do filme é positivo, embora combalido por inconstâncias, pela dificuldade flagrante de equilibrar as várias possibilidades oferecidas por uma personagem tão multifacetada. A chamada Rainha da Lapa, enfim, foi eternizada pelo cinema, numa obra, senão potente como a trajetória abordada, evidentemente repleta de admiração por alguém que brigou ferrenhamente pelo direito inalienável de ser respeitada como artista, transexual e prostituta, enfim, como gente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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