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Sinopse

Lubo se passa na Suíça, durante o inverno de 1939, quando um jovem (Franz Rogowski), descendente de nômades Yenish, é convocado para o serviço militar no exército para proteger a fronteira. Logo se junta a seu primo, que lhe conta que a polícia levou seus filhos por serem descendentes de ciganos, de acordo com o programa nacional governado pelos princípios da eugenia, que ganharam espaço na Europa. Ele, então, embarca em uma vingança com repercussões inesperadas.

Crítica

Selecionado à 8 ½ Festa do Cinema Italiano, Lubo é uma jornada de personagem daquelas que atravessam décadas. O protagonista é Lubo Moser (Franz Rogowski), artista yeniche, ou seja, parte da terceira maior etnia nômade da Europa – a legenda da versão em português prefere utilizar o termo impreciso “cigano” para se referir ao povo oprimido, inclusive durante a Segunda Guerra Mundial. Flagrado por soldados durante a viagem após uma apresentação, ele é alistado pelo exército e obrigado a se fardar para ajudar na patrulha das fronteiras da Suíça. Então, temos o homem separado da família e jogado repentinamente num clima tenso de guerra agravado em termos de dramaticidade por conta do frio extremo. Angustiado pela distância da esposa e dos filhos, ele se mantém firme na vigília fronteiriça forçada, atuando como se estivesse contando as horas para reencontrar os seus. Mas, o cineasta Giorgio Diritti dobra a aposta na tragédia pessoal dele ao informar a dispersão das crianças e a morte fatídica da esposa. Privado de tudo o que lhe é mais caro, Lubo Moser se transforma em outra pessoa durante o processo de tentar encontrar o que restou da família, sobretudo ao assassinar um homem, se apossando de sua riqueza e do seu nome. Portanto, temos vários temas juntos: o desespero paterno, o luto pela companheira, a violência imposta aos yeniche, a boa possibilidade do desmascare, entre outros.

Por se desenrolar como um épico em tempos de guerra, mas também por conta da abordagem clássica grandiosa, o filme pode ser equiparado em certos sentidos a Doutor Jivago (1965), romance que igualmente mostra as transformações de um sujeito obrigado a atravessar conflitos armados. No entanto, o cineasta Giorgio Diritti não aproveita a longa duração de sua produção (quase três horas) tão bem quanto David Lean faz em seu épico romântico (que tem pouco mais de três horas). Lubo sofre pela falta de fôlego no desenvolvimento das nuances. É um drama que hesita diante da franca possibilidade de cruzar limites e se transformar em melodrama. Lubo Moser é um personagem riquíssimo, interpretado pelo ator alemão Franz Rogowski com as profundidades emocionais e psicológicas que caracterizam seus demais trabalhos, mas perde consistência à medida que a direção não consegue elaborar tonalidades e camadas. Depois de Lubo Moser cometer o crime hediondo que garantiu a sua sobrevivência, além de sair do circuito de guerra, o tema da procura pelos filhos passa a ser uma nota de rodapé, voltando somente próximo ao encerramento como motivação supostamente nunca esquecida pelo personagem. De modo parecido, o luto pela esposa morta em circunstâncias banais não dura mais que alguns minutos, o que alivia o peso residual dessa dor no horizonte. Faltam ajustes finos nas conexões.

Tendo em vista que o desespero do pai não é reiterado dramaticamente, tampouco o luto pela esposa, podemos imaginar que Lubo vai encarar o protagonista mais como símbolo da tragédia de sua etnia, principalmente quando o filme elabora um discurso sobre a sistematização do rapto de crianças yeniche durante da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, esse viés também não é consolidado como um pilar da trama, sendo um reforço contextual. Tudo é tratado de modo relativamente dispersivo pelo filme, o que dificulta a vinculação dos assuntos em prol de um painel maior e denso. Desse modo, a opressão aos nômades não é expressivamente interligada ao sofrimento pessoal do personagem. Os assuntos são abordados de modo fragmentado, ou seja, primeiro se fala de uma coisa, a resolvendo antes de partir a outra e assim sucessivamente. De toda maneira, joga a favor da experiência a amplitude do recorte, a qualidade da direção de arte assinada por Giancarlo Basili (que tem na reconstituição de época o seu grande mérito) e, principalmente, a interpretação de Franz Rogowski, o maior desses trunfos positivos. Mas, é realmente uma pena que o cineasta Giorgio Diritti hesite diante da possibilidade de mergulhar de cabeça nas profundezas do melodrama, a isso preferindo boiar nas águas mais tranquilas do drama menos rasgado, no qual a contenção desempenha um papel maior do que o desespero.

Retomando a questão da falta de fôlego, Lubo se esgota enquanto a trama avança, arfando de cansaço precocemente diante da necessidade de abordar tantas coisas a fim de construir um painel épico (que alie intimidade e grandiosidade) da busca do homem pela família. Mas, quando Lubo Moser desfruta a vida repleta dos privilégios proporcionados pelo dinheiro de sua vítima, a determinação para encontrar os filhos perdidos fica em segundo plano, enquanto a dor proveniente do luto pela morte da esposa praticamente desaparece de cena. Adiante, assim que Lubo Moser se envolve com várias mulheres que dele engravidam, isso aliado à predição de uma vidente, podemos imaginar que ele povoará a Europa com os filhos da miscigenação indesejada pelos eugenistas. Contudo, isso não passa de uma sugestão pouco contemplada. Então, temos a história interessante, o personagem clássico que utiliza a dor como combustível fundamental para atravessar cenários absolutamente devastados pela ruindade humana, o visual construído com evidente esmero, além da bem-vinda denúncia dos métodos espúrios para diminuir o contingente de yeniche, mesmo num país que não apoiava abertamente os ideais nazistas. Uma lástima que Giancarlo Basili não consiga manter o filme constantemente em alerta, às vezes permitindo que os motivos e temas sejam tragados a um redemoinho de repetição e dispersão.

Filme visto durante a 11ª 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2024

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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