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Crítica


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Sinopse

Luccas Neto e sua irmã, Gi, se hospedam no Hotel Mágico para falar de um lançamento. No entanto, eles precisam dar um jeito de se livrar dos Elfos que desembarcam no Rio de Janeiro diretamente do Polo Norte.

Crítica

É bom prestar bastante atenção desde o começo. O nome desse “filme” – sim, exatamente, tal expressão deve ser dita entre aspas, e mais adiante iremos desenvolver isso melhor – é “Luccas Neto em: O Hotel Mágico”, e não apenas “O Hotel Mágico”. Ou seja, mais importante do que o tal Hotel Mágico, é, sim, a presença de Luccas Neto à frente da trama. E para quem não o conhece – pois é, ainda que o rapaz seja um fenômeno na internet, felizmente ainda há quem consiga respirar fora do ambiente virtual – trata-se de um dos maiores youtubers do Brasil, com mais de 30 milhões de seguidores. E mais: não se trata apenas do protagonista ‘em algum lugar’, afinal, há um dois pontos no meio da sentença. E o que isso indica? Que se trata de mais um de uma série de produtos similares. Antes desse houve Luccas Neto em: Uma Babá Muito Esquisita (2019) e Luccas Neto em: Acampamento de Férias (2019), entre outros – em menos de três anos, ele estrelou nada menos do que sete projetos semelhantes. Nenhum exibido na tela grande, tendo sido lançados diretamente nas plataformas de streaming. O que não diminui – nem aumenta – o (pouco) valor da produção. Afinal, o que ele faz está longe de ser, sequer, considerado cinema.

Bastam poucos instantes para identificar com clareza quais são as intenções de Luccas Neto: propaganda. Quando começou sua carreira na internet, ele gravava vídeos nos quais se portava como um ‘hater’, ou seja, como alguém que odeia e critica tudo que os outros fazem. Quando se deu conta de que o dinheiro – e a fama, e a popularidade – estavam justamente naquilo que tanto criticava, decidiu mudar de lado e passou a fazer exatamente o que até então condenava. Assim que O Hotel Mágico começa, o espectador se depara com uma longa tomada aérea em drone (um cacoete visual mais do que desgastado) da zona sul do Rio de Janeiro, indo de encontro com um dos mais requisitados hotéis da região. Ou seja, não se trata de um espaço ficcional, imaginado apenas para a história que deveria estar sendo contada: ainda que não citem nominalmente o nome do empreendimento, sua logomarca está bem grande estampada na fachada do prédio, por longos minutos. Outras marcas e empresas conhecidas irão se revezar em destaques similares ao longo da projeção.

Apontado por Maria Clara Monteiro, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em estudo realizado em 2018, como um dos ‘influenciadores digitais que mais apelam à publicidade infantil’, Luccas Neto não perde tempo para comprovar a veracidade desta constatação. Tanto é que, na história, ele e sua irmã, Gi, se dirigem ao lugar para participar de uma sessão de autógrafos dos novos bonecos da dupla. Assim que chegam, aproveitam para desfilar com modelitos também vendidos à exaustão na loja virtual do influencer, que além de atuar, é também produtor e co-autor do roteiro. Os dois querem pular na cama do quarto que lhes é dignado, aproveitar a piscina e se encontrar com os fãs. Além disso, se arriscam também em sequências musicais, com canções que afirmam que “minha agenda está lotada, como é bom ser famosa” ou “sou o príncipe dos baixinhos, olha como sou legal”, mostrando que sua maior aspiração é se tornar uma versão masculina e infantilizada da rainha Xuxa.

Para investir no tom de fantasia, há dois elfos (?) vistos em uma aventura anterior pelo Pólo Norte e que desejam se vingar dele. O que os motivam a empreender um plano maligno contra o astro é uma incógnita que não chega a ser revelada em nenhum momento. Enquanto as criaturas fantásticas se passam por donas do hotel, ameaçando e despedindo funcionários, Neto e Gi enchem boias infláveis e caem em armadilhas, como comer um ovo de chocolate estragado que lhes provoca fortes dores de barriga – e uma sequência escatológica que ultrapassa qualquer limite do bom gosto. Tudo isso, no entanto, seria mero embaraço caso fosse feito com um mínimo de competência. Isso está longe de ser o caso. Luccas Neto e sua parceira mirim, assim como todos os coadjuvantes, são incapazes de atuar, exagerando nos gestos e nos diálogos com posturas que transitam entre o inocente e o sem noção. Mas é bom não se enganar: de ingênuo o protagonista não tem nada. Tudo é bastante estudado, e se é no público infantil que ele mira, como se fosse um deles que se comporta. Mesmo sendo um homem acima do peso de quase trinta anos com cabelo bicolor e bem menos farto do que fora na sua juventude.

Não há tensão nem mistério em nenhum dos acontecimentos vistos em Luccas Neto em: O Hotel Mágico. Nem mesmo o título é fiel, pois o empreendimento onde estão está longe de ter poderes ou capacidades especiais. E no final, quando mais nada surpreende, tamanha a obviedade das situações e o tédio provocado por desfechos que chegam a ser anunciados antes mesmo de se sucederem, passando por elementos problemáticos, como crianças xingando seus pais, enaltecimento ao ter em exagero e sem sentido, e o culto a uma celebridade fazia e que nada oferece em troca – não há arte envolvida, apenas consumo – o enredo termina com uma revelação que pretende provocar impacto, mas é tão previsível quanto todo o resto: depois de quase uma dezena de obras que pouco se diferenciam umas das outras, Luccas Neto irá, enfim, estrear nos cinemas em 2021. E se nem uma pandemia mundial parece conseguir deter uma ameaça como essa, a conclusão a que se chega é que eis aqui uma grande peça publicitária de 70 minutos cujo único objetivo é aumentar as expectativas em relação a um lançamento que até pode alterar suas dimensões, mas pouco se arriscará a ir além do já conhecido e muito explorado. Uma promessa voltada a um público cativo, que parece apreciar mais do mesmo sem qualquer questionamento, o que torna tudo ainda mais triste e deprimente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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