Sinopse
A enfermeira Lucia está presa e aguarda julgamento por um dos crimes mais estarrecedores da história da Holanda. Ela é acusada de assassinar ao menos sete bebês e pessoas idosas.
Crítica
Baseado em fatos, A Acusada possui duas protagonistas. A primeira delas é a enfermeira acusada de uma série de envenenamentos. A segunda é a advogada novata que se esforça bastante para reunir evidências que embasem as acusações. Lucia (Ariane Schluter) trabalha numa unidade intensiva, convivendo diariamente com dor e a iminente finitude alheia. Ela é apontada como potencial matadora não apenas de um bebê diagnosticado estável pela médica de plantão, mas de outros pacientes ao longo da carreira. Principalmente por conta das vítimas serem crianças e idosos, passa a ser vista como um monstro. Judith (Sallie Harmsen) quer mostrar serviço e então se agarra à oportunidade surgida nos primeiros dias na promotoria, ajudando invariavelmente a montar o castelo de cartas que sustenta o inquérito responsável por encarcerar previamente a suspeita.
As protagonistas têm níveis bem distintos de composição. Lucia – interpretada brilhantemente por Ariane Schluter – é uma personagem multifacetada. Durante o processo e as diversas audiências que dão conta de selar controversamente seu destino, tomamos contato com um passado sofrido, repleto de abusos aos quais era submetida pela mãe. Ademais, existe a relação com a filha e o marido, ou seja, vemos ela por diversos prismas. Já Judith, a priori, vale o quanto pesa sua consciência, está ali para mostrar uma busca idealista por justiça, independentemente do lado defendido, se defesa ou acusação. No começo de A Acusada há uma construção dramática que evidencia o empenho de Lucia no cuidado com os pacientes, ao contrário das colegas muitas vezes relapsas, que encaram a convalescência dos outros com frieza e distanciamento. Aí se instaura um paradoxo.
A diretora Paula van der Oest mostra Lucia como alguém repleta de dificuldades para se relacionar, algo que pode ser confundido, ou lido maldosamente, com arrogância. Isso se dá nas sutilezas, nos olhares trocados e nas interações mínimas do cotidiano hospitalar. Contudo, é ela quem mais demonstra compaixão pelo sofrimento dos doentes. Já as colegas, integradas umas às outras, a priori sem a dificuldade de convívio social, não repetem o afeto com os pacientes. Além disso, o preconceito enraizado vem à tona quando a condição prostituta do passado de Lucia é tida como sinal de falta de caráter. Indícios de um ambiente viciado em hipocrisias. Surgem dúvidas, sobretudo quanto à culpa dessa mulher curvada diante de um sistema repleto de brechas. Judith, por sua vez, segue o próprio inferno, à medida que as sentenças e imperativos da justiça exibem rachaduras.
A Acusada sofre um pouco com essa divisão entre duas protagonistas. Sempre que a câmera se volta à Lucia, ao corpo cansado da batalha travada nos bastidores e na mídia, o filme visivelmente ganha alma, pois detido na tragédia humana e complexa que sobrepuja, no quesito força, a problemática essencialmente ética que move Judith de um lado para o outro. As cenas de tribunal são banais, não possuem valor em si, senão o inerente à condição de instâncias decisivas. Mesmo rasa como personagem, Judith representa a lei mais pura, uma preocupação genuína em ser a balança que pende à verdade, para além das politicagens e dos egos. A despeito das fragilidades e facilidades, o filme de Paula van der Oest consegue dar conta dos principais aspectos que tornaram o caso Lucia de Berk tão controverso e emblemático.
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