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Crítica


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7 votos 7.8

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Sinopse

Abandonada pelo marido, Lucicreide vê sua casa se transformar num inferno com a chegada da sogra. Sem entender direito a dimensão de uma viagem espacial, ela aceita fazer parte de uma competição/treinamento nos Estados Unidos, cujo vencedor será enviado à Marte, mas com uma passagem apenas de ida.

Crítica

O universo dos programas espaciais, das viagens interplanetárias, é tão repleto de protocolos e inicialmente “sério” que, uma vez subvertido, pode ser um prato cheio à comédia. Propenso cinematograficamente à aventura, ao drama e ao horror, esse ambiente enigmático também já inspirou filmes como 2000.1: Um Maluco Perdido no Espaço (2000), estrelado por Leslie Nielsen e disposto à toda sorte de brincadeiras com os perigos e as limitações impostos pelo cosmos. Além disso, natural que nações protagonistas na corrida pelo conhecimento existente para além da atmosfera da Terra também invistam em produções com essa temática, pois ela acaba, de certa forma, fazendo parte de seus tecidos sociais, das questões que as permeiam geopoliticamente. Num país como o Brasil, periférico quando o tópico é a viagem sideral, o assunto ganha um tom ainda mais incomum. Até por isso, é insólito o mote de Lucicreide Vai pra Marte, ou seja, a competição para escolher o representante brasileiro na missão apenas de ida a Marte. O improvável ganha camadas com a candidatura inesperada de Lucicreide (Fabiana Karla), mãe de cinco filhos que não suporta a pressão diária.

O começo de Lucicreide Vai pra Marte é justamente a apresentação do cotidiano dessa mulher que sustenta sozinha a prole numerosa depois do desaparecimento do marido. Cada criança demanda algo diferente, o que complica o cotidiano de Lucicreide. Além de dar conta disso, ela precisa cumprir os compromissos com os patrões, principalmente os com Arnaldo (Renato Chocair), que também está passando por uma turbulência no seu relacionamento, isso enquanto faz a triagem dos candidatos a viajantes para Marte. Como estamos no terreno das comédias rasgadas, nas quais a piada ligeira prevalece sobre qualquer lógica ou contexto, no fim das contas pouco importa essa instabilidade mostrada nas duas casas. Há uma estereotipização do suburbano, vide o comportamento de Lucicreide, mas também o de seus filhos barulhentos e hiperativos contrapostos pela presença do filho do patrão, menino sagaz e sensível, comportado e com suas doses de carência. O cineasta Rodrigo Cesar também manda às favas a coerência ao utilizar um salto temporal abrupto que lhe exime de ter de lidar com determinadas circunstâncias antes de Lucicreide embarcar, do nada, para os Estados Unidos.

Lucicreide Vai pra Marte é uma comédia feita de pequenos esquetes, erros tolos se avolumando e discrepâncias um tanto óbvias. O time de concorrentes ao posto de viajante espacial é formado por, além de Lucicreide, a aspirante a celebridade, a astróloga, o padre e o sujeito que deseja evadir do mundo após um vídeo seu ter viralizado. As características dos personagens secundários são quase desimportantes, pois o cineasta os utiliza basicamente como suportes à verborragia estilizada de Fabiana Karla como a imigrante nordestina que vai somando vitórias a despeito das expectativas contrárias. Aliás, o filme telegrafa todos os seus passos, sobretudo ao deixar claro que vai tentar extrair graça da protagonista ganhando sem ter capacidade para isso. Sempre que uma das provas começa, a doméstica é observada como a menos preparada e por isso mesmo ela acaba ganhando. O filme gera uma contradição involuntária, pois o supostamente inesperado se torna completamente esperado em virtude da recorrência sem variações. Oras, se o efeito cômico pretensamente advém da surpresa e do anormal, a previsibilidade vira um enorme veneno contra o riso almejado.

Como Lucicreide Vai pra Marte não está preocupado com o desenho de uma jornada, mas de olho em oportunidades para fazer piadas soltas com as situações apresentadas, pouco importa a sucessão de testes e mesmo o antagonismo de Luana (Adriana Birolli). Essa personagem é delineada como uma óbvia oponente de Lucicreide, pois praticamente sua versão oposta – novamente o filme pega o caminho mais simples das diferenças escrachadas, assim como ao demarcar os abismos entre as crianças. Enquanto a protagonista é pura, atrapalhada, mas digna de coração, a vilã remediada é mesquinha, pensa apenas nela e, claro, merece o castigo recebido no final. O longa-metragem se transforma num veículo inequívoco para as tiradas de Fabiana Karla. As demais pessoas ao redor servem somente como suas escadas. Nem as homenagens às sagas Star Wars e Alien tiram desse projeto aquele gosto de comida requentada. Sim, pois a premissa é incomum, sobretudo num país coadjuvante (para dizer o mínimo) nas questões relativas ao espaço. Mas, o andamento e o tom são convencionais, têm sabor conhecido. É como uma sucessão de esquetes televisivas em que a ambição da linguagem cai por terra em prol das piadas cujo intuito é o riso imediato e de efeito pouco prolongado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Alysson Oliveira
2
MÉDIA
2.5

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