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Crítica


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Sinopse

Por meio de depoimentos e imagens de arquivo, uma visita à trajetória de um dos maiores guitarristas brasileiros.

Crítica

Numa reunião sindical acontecida nos anos 1950, o cineasta norte-americano John Ford se apresentou desta forma ao pedir a palavra: "Meu nome é John Ford. Eu faço westerns”. Provavelmente ninguém ignorava quem era aquele senhor de tapa-olho e comportamento ranzinza inconfundível, àquela altura já considerado um mito em Hollywood. No entanto, o mais importante é a sentença “eu faço westerns” como uma postura pessoal e, ao mesmo tempo, de valorização desse gênero que viria a se tornar essencial/referencial décadas mais tarde. Assim como Ford não fazia apenas faroestes, o guitarrista Luiz Carlini também não atua apenas no rock and roll, mas o título deste filme, Luiz Carlini: Guitarrista de Rock, parece ir na mesma direção, pois salienta a linguagem que define o personagem na essência e o celebra. Produzido durante a pandemia da Covid-19 – algo “denunciado” pelos depoimentos capturados remotamente e os vislumbres da equipe presencialmente utilizando máscaras protetoras –, o longa-metragem documental presta homenagem a uma das personalidades mais importantes da música brasileira. Carlini é reconhecido pelo grande público como um dos fundadores da icônica banda Tutti Frutti, por sua vez lembrada por ter gravado os primeiros álbuns solo de Rita Lee, incluindo o festejado Fruto Proibido. Aliás, se fala bastante desse disco no filme por causa de uma música.

Luiz Carlini: Guitarrista de Rock é dirigido por Luiz Carlos Lucena e conta com elementos clássicos de um tipo de documentário musical de viés informativo/festivo habitual nas últimas décadas no Brasil. Um deles é a coleta e posterior costura de depoimentos fornecidos por nomes maiúsculos da cena artística (de preferência, rostos e vozes de fácil reconhecimento pelo público) que se derramam em elogios ao protagonista. Temos os testemunhos emocionados de Andreas Kisser (guitarrista do Sepultura), Erasmo Carlos, Roberto Frejat, George Israel (músico do Kid Abelha), Guilherme Arantes, Kiko Zambianchi, Pepeu Gomes, Supla e Wanderlea. Todos passam pela tela falando maravilhas de Luiz Carlini, assim expandindo para fora da classe musical a figura que deveria ser popularizada por conta de sua contribuição de valor inestimável para o cenário artístico brasileiro. O próprio Carlini comenta partes de sua vida, resgata histórias do passado que ajudam a compreender um pouco o ambiente efervescente de uma São Paulo que abrigava inúmeros talentos. O fluxo narrativo é um pouco caótico, às vezes cortando determinados assuntos no meio para depois os retomar adiante sem noção de continuidade. Aliás, o principal problema do filme é justamente o encadeamento de informações que soa como algo quase aleatório. Isso cria a incômoda sensação de dispersão, sobretudo no começo.

Causos são seguidos de elogios externos; elogios são seguidos de imagens de arquivo; imagens de arquivo são seguidas de Carlini mostrando um pouco da sua casa; às imagens da “caverna” sobrevêm novos testemunhos em primeira pessoa. Luiz Carlini: Guitarrista de Rock falha nessa conexão entre os diversos componentes da narrativa, o que evita voos maiores como produção cinematográfica. No entanto, uma vez que nos acostumamos com essa desordem involuntária (lá pelo segundo terço do filme, mais ou menos), o curso bagunçado até se aproxima de ser algo anárquico, ou seja, chegando em momentos pontuais a ser formalmente desalinhado como alusão formal ao espírito de uma geração contestadora da qual Luiz Carlini fez parte. O que isso quer dizer? Que, uma vez passado o incômodo em virtude dessa bagunça entre os segmentos e, principalmente, pela falta de senso de oportunidade para interliga-los, o desconforto até serve ao desenho de uma figura não regida pelas conformidades da sociedade careta. O saldo fica num meio termo, ora negativo, ora positivo, mas ainda bem que esse filme ao menos existe como registro de uma trajetória profissional condenada a ser somente ser merecidamente festejada no grupo restrito dos amantes da música. Grandes artistas merecem grandes públicos, então tomara que, a despeito de suas fragilidades, a iniciativa cumpra essa sua nobre vocação.

No empenho para mostrar a genialidade de Luiz Carlini, o cineasta Luiz Carlos Lucena comenta o aspecto pessoal do músico apenas próximo ao fim. Talvez para não ser acusado de simplesmente ter limado esse assunto do filme (o que não seria problemático, de acordo com a sua abordagem), ele utiliza o depoimento da esposa do protagonista e mostra algumas fotografias dos netos do mesmo, assim escapando rapidamente do gênio e se focando no homem. No entanto, parece realmente que ele está com isso cumprindo um protocolo. Outras objeções que podem ser feitas do ponto de vista da linguagem são relativas ao aspecto visual, sobretudo à transição entre fotografias e trechos audiovisuais de arquivo. Em vários instantes, essa mudança entre uma imagem e outra é feita como se estivéssemos vendo uma apresentação e/ou palestra, com vislumbres girando até ocupar a tela e outros efeitos graficamente semelhantes àqueles utilizados por professores e palestrantes para alternar slides. De toda forma, Luiz Carlini: Guitarrista de Rock tem seu charme, senão por excelência enquanto cinema propriamente dito, mas como documento que captura a história fascinante de alguém como Luiz Carlini, cuja carreira se confunde com a existência do rock paulistano. Por fim, a câmera claudicante de Lucena ao menos demonstra uma inquietude condizente com a do protagonista.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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