Crítica
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Sinopse
Corentin, filho de Paul e Sofia, tem um mistério: em sua escola e nos ambientes que frequenta, ele só se relaciona com crianças semelhates a ele. Na sala de aula, essa identificação - que não se sabe qual - é o ponto que o une a seus amigos. Porém, quando seus colegas se mudam de colégio, o menino passa a ser o único da classe. Qual será a sua grande singularidade?
Crítica
Poucos cineastas de esquerda se propõem a fazer comédias tão sarcásticas sobre a própria esquerda quanto o francês Michel Leclerc. Originário da periferia parisiense, ele construiu uma carreira inteira em cima do olhar satírico às pessoas de cujas ideias políticas compartilha. Foi assim em curtas-metragens, programas de televisão e longas-metragens muito bem acolhidos por críticas e público como Os Nomes de Amor (2010), um estudo sobre a dificuldade dos franceses em votarem em quem realmente querem, e se verem representados pelos candidatos disponíveis. Munido essencialmente por diálogos mordazes sobre a sociedade francesa, ele permite que seus atores se digladiem em cena, enquanto a câmera intervém o mínimo possível no jogo cênico.
O mecanismo se repete em Luta de Classes (2019), crônica da França miscigenada face às dificuldades da educação nacional. Entra no ringue um casal que se considera progressista e anarquista – ele, um cantor de punk rock, ela, uma advogada de origem árabe – tendo que lidar com os conflitos entre homens e mulheres, entre cristão e muçulmanos, entre progressistas e conservadores, entre o modelo privado e o modelo particular de resgate da economia. Não existe uma única cena em que os personagens não estejam debatendo estes conflitos, misturados ao caos de suas vidas cotidianas (as contas para pagar, a presença indesejada do vizinho judeu, os problemas do filho na escola). O roteiro não é nada sutil ao introduzir estes temas, mas o faz com vontade sincera de abarcar o máximo de questionamentos possível, sem poupar quem quer que seja.
Leclerc assume o viés farsesco da premissa, enquanto escancara o procedimento teatral das interações. Por mais que esta família se mova entre ruas e casas, entre escolas e eventos, eles se confrontam essencialmente através de diálogos com ares de inconsequência: para cada problema apresentado, uma solução improvável é apresentada na cena seguinte. Esta é uma característica louvável dos trabalhos do autor: a capacidade de se colar tão de perto à realidade francesa para propor soluções lúdicas aos personagens (vide o resgate rumo ao final), ou seja, o fato de abordar temas tão graves com a leveza de quem discute banalidades. O cineasta cria o estereótipo da esquerda caviar, que sabe pertencer à esquerda caviar e faz o possível para fugir dela, apenas para cair em novas situações onde sua condição social é escancarada. O procedimento é cíclico, ou talvez se desenvolva em espiral, num aceno à comédia do absurdo. Quanto mais perto o filme se cola à França de 2019, mais parece discorrer sobre um cenário kafkaiano.
Ao mesmo tempo, a principal novidade deste projeto dentro da filmografia do cineasta seria a abertura esporádica à poesia e ao silêncio. Acostumado à velocidade das falas, Leclerc permite a inclusão de uma doce trilha sonora de flautas, além de momentos em que a família apenas interrompe os conflitos para dançar. Criticado com frequência por transformar seus personagens em arquétipos, o diretor busca uma humanidade, um afeto para além da condição de “pessoas de esquerda” tentando viver suas éticas pessoais num mundo capitalista. Existe evidente carinho pelo músico radical, pela esposa que tenta tolerar as diferenças do mundo sem julgá-las, e pelos conflitos decorrentes do embate entre ambos. Édouard Baer e Leïla Bekhti possuem estilos de atuação e de humor muito diferentes – ele, próximo do palhaço triste, de corpo despojado e olhar sereno, e ela, com a fala bruta e os gestos agressivos -, algo que a direção sabe aproveitar muito bem. A escolha improvável do comediante Ramzy Bedia no papel de um rígido diretor de escola, e de Baya Kasmi como professora apegada a eufemismos, com medo de ofender os alunos multiétnicos, garante boa dose de humor.
Por fim, Luta de Classes se revela uma bela investida no humor inteligente e adulto, porque capaz de rir de si próprio sem ridicularizar nenhum personagem. Talvez esta seja uma comédia sobre política ao invés de uma comédia política em si (a forma permanece bastante comportada, nada subversiva), mas ainda representa um respiro dentro de um gênero que encontra dificuldades para trabalhar nuances e suscitar debates dentro de um registro popular. A direção utiliza tipos preestabelecidos (a mãe árabe, o pai com vergonha de ser branco, o casal burguês, o colega de escola cristão) sem defender qualquer lado nem fornecer ao espectador uma saída fácil aos conflitos sociais propostos. A partir de uma única escola pública, consegue representar a França inteira – talvez efetuando alguns malabarismos de roteiro, mas ciente de seus exageros e concessões. Para um título alegremente metafórico, o projeto propõe uma conclusão absurda, porém generosa, e simbólica da capacidade de enxergar nas diferenças uma força ao invés de uma fraqueza.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Bruno Carmelo | 7 |
Chico Fireman | 7 |
MÉDIA | 7 |
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