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Crítica


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Sinopse

Após um período bastante traumatizante trabalhando numa clínica na fronteira da Jordânia com a Síria, Hana quer um pouco de tranquilidade. Ela se refugia numa majestosa cidade egípcia, perambulando por espaços repletos de memórias, tanto as íntimas quanto as históricas.

Crítica

O mais recente longa dirigido por Zeina Durra é um bom exemplo de economia dramática. Nele, não há rompantes emocionais marcados, as questões individuais permanecem logo abaixo da superfície, embora tenham força suficiente para serem visíveis, pois de contornos reconhecíveis por baixo da membrana que as protege do exterior. A protagonista é Hana (Andrea Riseborough), médica exaurida após um longo período trabalhando na conturbada fronteira da Jordânia com a Síria. Sintomaticamente, vai buscar um pouco de paz na majestosa Luxor, cidade egípcia que na antiguidade abrigava a mítica Tebas, sendo considerada na atualidade um verdadeiro museu a céu aberto. Essa equação que evita considerar o futuro é completada pela presença do ex-namorado Sultan (Karim Saleh), arqueólogo que escava diariamente inestimáveis tesouros. Supostamente não há conflitos, mas eles se tornam perceptíveis à medida que a nostalgia se insinua pelas frestas do presente um tanto desorientado. Tudo é muito sutil, quando não subentendido. As curvas dramáticas são bem suaves.

Andrea Riseborough tem um desempenho excelente em Luxor. De semblante carregado, Hana quase nunca está disposta a falar abertamente das sensações que lhe atravessam apesar da aparente calmaria. A produção trata da relação entre o que os personagens voluntariamente deixam à mostra e as interdições encarregadas de criar barreiras consideráveis. Mantendo-se integralmente fiel a essa sutileza, a realizadora evita tachar a médica como alguém que provavelmente vai encontrar alívio às chagas que os horrores da guerra civil deixaram em sua memória, inclusive a muscular. No fim das contas, as lembranças, por dolorosas que possam soar, também fazem parte da história individual de cada um. As perambulações por sítios arqueológicos e relíquias a céu aberto intentam claramente desenvolver essa ideia de que ao decurso do tempo é inexorável um rastro de marcas e que estas, igualmente de modo implacável, são partes essenciais dos caminhos das pessoas e das civilizações. O passado é, portanto, um agente ambíguo e vital, ora fascinante, ora angustiante.

O background dos personagens é suavemente revelado. No começo, a única informação pertinente sobre Hana é o fato dela ser a recém-chegada de uma região conflituosa. Investigar se isso explica a postura esgotada é oferecido como possibilidade por Zeina Durra, tal um processo orgânico e natural. Ela não fica jogando iscas artificiais para fisgar, nos aproximando do âmago da protagonista sem exacerbar os lugares-comuns. Luxor passa longe da exposição, se pretendendo ao âmbito da contemplação, seja a da mulher reconectando-se com um cenário importante de seu passado, a fim de ver se com isso consegue uma chave ao futuro, ou a diante da riqueza desse lugar escrutinado pela câmera com uma reverência bonita. O dado emocional é atravessado por várias camadas de recorte social e histórico, mesmo que às vezes o filme pareça não saber exatamente para aonde está indo (o que pode ser bom). A cumplicidade da praticamente estranha, o barco batizado com o nome de um artista, a brincadeira com o fax do Rio de Janeiro. Pequenos momentos cerzidos em forma de tapeçaria.

Luxor tem outro grande mérito que é não encarar a cidade, bem como a gente que compõe suas geografias, por uma perspectiva exótica. Óbvio, a localidade egípcia é um recanto turístico, visitado por curiosos e estudiosos. Entretanto, Hana tem outro tipo de conexão com ele, quase como se usasse o retorno enquanto emplastro necessário. Mas, provando novamente a disposição por afastar-se das armadilhas próprias desse tipo de jornada potencialmente curativa/reparadora, Zeina Durra constrói a volta como um movimento curioso e ambivalente, vide as barreiras impostas pela médica diante das investidas do homem evidentemente ainda apaixonado por ela. A personagem de Andrea Riseborough não dá indícios de que tenha regressado com algum propósito claro e/ou consciente, sendo mais atravessada por possibilidades ofertadas/organizadas pelo cotidiano provisório do que necessariamente indo decididamente ao encontro de qualquer remédio para seus impasses. Um filme que nos convida a olhar com a atenção e partilhar uma trajetória de silêncios ruidosos.

Filme visto online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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