Crítica
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Sinopse
Apresenta a trajetória pessoal e profissional dessa escritora brasileira desde a década de 1940 até os dias de hoje. A história da autora e de suas obras através do olhar de outros profissionais da área, amigos e familiares.
Crítica
Uma breve procura em listas de grandes romances de escritores brasileiros é suficiente para deduzir que a crítica, o ensino e as editoras dão preferência para autores homens. Machado de Assis está em todas, Jorge Amado e seu olhar sobre a Bahia também. Importantes nomes da nossa literatura, sem dúvida. Mas, representatividade importa, e tão grande quanto a lista de talentos da nossa literatura é a de mulheres que se encontraram nas páginas escritas pela paulista Lygia Fagundes Telles. Apresentar alguma das múltiplas faces que compõe essa mulher talentosa, ainda lúcida e criativa aos 94 anos, é o que pretende o documentário Lygia: Uma Escritora Brasileira, produção da TV Cultura dirigida por Helio Goldstejn.
Já na abertura, numa entrevista concedida nos anos 90, Lygia relembra um de seus primeiros lançamentos, em São Paulo. Na ocasião, ouviu de um escritor que era bonita demais para querer ser escritora. É o sinal sobre qual será o viés do filme, que une entrevistas de amigos, familiares e colegas de profissão com imagens de arquivo de várias décadas, já que Lygia não foi pioneira apenas como autora. Uma das primeiras mulheres a ingressar na faculdade de direito da USP, escolha que a mãe considerava masculina demais, ela ainda enveredou para um exército feminino durante a Segunda Guerra. Lygia virou soldado, já que ser mulher num ambiente masculino, como o da literatura, não deixa de ser uma espécie de guerra. Entre os muitos testemunhos, que incluem nomes como o do escritor Ignácio de Loyola Brandão e da dramaturga Maria Adelaide Amaral, a escritora é associada a adjetivos tais como urbana, engraçada, doce e forte. Palavras que também se encaixam com precisão nos personagens que ela criou, como as três amigas protagonistas de As Meninas, sem dúvida seu romance mais lido e comentado.
Seguindo um modelo tradicional de documentário, intercalando imagens de arquivo e entrevistas, Lygia: Uma Escritora Brasileira não atrai pela forma, mas pelo poder do tema. Apesar de publicar desde muito jovem, Lygia não alcançou o prestígio dos colegas homens e sabe bem o motivo: ser escritor é complicado, ser uma mulher que escreve é quase uma afronta. O pecado do filme de Goldstejn é querer abranger vida pessoal e profissional, esquecendo-se do toque de fantasia, tão importante na literatura de Lygia. Mesmo assim, é uma produção necessária para trazer mais luz à obra da escritora, que flertou com o cinema ao casar-se com o crítico e criador da Cinemateca Brasileira Paulo Emílio Sales Gomes, que a incentivou a aventurar-se como roteirista de Capitu (1968), dirigido por Paulo César Saraceni. Sua resposta foi dar apoio para que ele escrevesse ficção. Uma troca única, lembrada com carinho por quem foi espectador da relação.
Lygia: Uma Escritora Brasileira não é inovador no formato e não pretende criar polêmica. Os depoimentos comprovam a fama de Lygia de ser avessa a fofocas, apesar de suas atitudes serem um prato cheio aos conservadores da época. O recorte não tem a feminilidade genuína que transparece nos contos e romances da autora, mas faz jus à sua carreira. A pouca poesia visual talvez tenha sido uma escolha para valorizar o distanciamento que Lygia e suas criações tinham do estereótipo feminino. Ela é uma mulher de verdade, com toda a complexidade que isso envolve. Coisa nada fácil ainda hoje, quando seus romances continuam fazendo sentido para as novas gerações.
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