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Sinopse

Três cirurgiões que servem o exército norte-americano durante a sangrenta Guerra da Coreia utilizam o deboche e a irreverência como ferramentas para lidar com a pressão do cotidiano. Eles enfurecem o comando, mas sobrevivem.

Crítica

A conjunção perfeita de todos os elementos errados, no melhor momento possível, pode, enfim, produzir um resultado memorável, muito maior do que suas partes em separado. Afinal, foi exatamente o que aconteceu com M*A*S*H, obra que lançou o nome de Robert Altman como um dos grandes da Nova Hollywood, movimento que, de uma maneira ou de outra, acabou reinventando o modo de produção cinematográfica nos Estados Unidos, abandonando de vez o esquemão engessado dos grandes estúdios e propondo abordagens mais livres e, por que não, libertárias. Esquecia-se os roteiros, apostava-se na improvisação e em rostos até então desconhecidos, investia-se em talentos a serem descobertos e investigava-se temas e assuntos usualmente ignorados sob abordagens inéditas. Aqui, faz-se rir no mais adverso dos cenários: tem-se um filme de guerra no qual o único tiro que se ouve é o que marca o início de uma partida de futebol.

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Robert Altman era um ninguém que assumiu um projeto após mais de dez ou doze diretores, muito mais reconhecidos que ele, recusarem o convite. Donald Sutherland, Elliott Gould e Tom Skerritt, os protagonistas, foram contratados com a justificativa de não serem ‘bonitos’ demais, e tudo que haviam feito antes se resumia, basicamente, a trabalhos na televisão (numa época em que ela não tinha nem a metade do prestígio de hoje). O produtor Ingo Preminger só era conhecido, basicamente, pelo seu irmão muito mais famoso (o cineasta Otto Preminger), enquanto que o roteirista Ring Lardner Jr havia amargurado por anos uma incômoda posição na lista negra de Hollywood ao ser perseguido pelo macarthismo. Ou seja, à primeira vista, ninguém apostaria nesse grupo de artistas. A não ser Richard D. Zanuck, filho do grande Darryl F. Zanuck (vencedor do Oscar por A Malvada, 1950), um dos precursores na formação do cinema moderno, que, em vias de aposentadoria, havia deixado seu herdeiro – que na época tinha pouco mais de 30 anos – no comando da 20th Century Fox. E assim, em linhas evidentemente tortas, o sucesso mais do que inesperado se fez.

M*A*S*H é sigla para Mobile Army Surgical Hospital, ou seja, Hospital Cirúrgico Móvel do Exército. Acompanhamos, portanto, a rotina destes médicos que, ainda que um tanto afastados da zona de conflito, precisavam ter mobilidade suficiente para se aproximarem – ou não – do lugar onde eram necessários. Como esses profissionais acabavam assumindo uma importância, literalmente, de vida ou morte, muitos abusavam de suas condições em atitudes de insubordinação, rebeldia e desrespeito às regras, simplesmente por saberem que não poderiam ser punidos – quem iria cuidar da operação seguinte se o doutor estivesse cumprindo pena? É o que logo percebem Hawkeye Pierce (Sutherland), Trapper John McIntyre (Gould) e Duke Forrest (Skerritt): ele estão ali para fazerem seus trabalhos, mas no meio tempo querem se divertir e aprontar todas que estiverem ao alcance, independente de quem se colocar no caminho deles.

Assim como se tornaria uma constante no cinema de Altman, M*A*S*H também possui uma estrutura episódica – não há, na essência, uma história com início, meio e fim a ser contada. Se tal estilo se tornou marca registrada do diretor com o passar dos anos, esse foi o primeiro passo – e o choque foi imenso. A ponto de, durante as filmagens, os protagonistas Sutherland e Gould irem juntos reclamar com o produtor sobre os métodos do realizador no set, pois temiam estarem envolvidos no filme que determinaria o fim de suas carreiras. Gould depois se arrependeu, pediu desculpas a Altman e se tornou um dos seus grandes parceiros, voltando a atuar sob sua conduta em diversas outras oportunidades. Sutherland, por outro lado, nunca se refez da experiência, e ele e o cineasta não mais retomaram a parceria no futuro.

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Para propor algo novo, como se vê, é preciso quebrar paradigmas. Como Altman fez com a bela Sally Kellerman, deixando-a nua em cena sem que ela estivesse preparada para isso – e no conjunto, sua performance como a arrebatadora Hot Lips (Lábios Quentes) foi tão marcante que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. O longa, aliás, concorreu em cinco categorias – inclusive a Melhor Filme e Direção – e levou a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado (ainda que Lardner tenha afirmado, após assistir a obra, que nenhuma palavra que havia escrito era dita durante a trama). Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme em Comédia e premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, M*A*S*H se tornou um fenômeno cultural, gerando, inclusive, uma série televisiva que durou de 1972 até 1983 (sem, no entanto, o envolvimento de Altman ou mesmo do elenco original). Anárquico, irreverente e irresistível, tem-se aqui um exercício do improvável – o próprio diretor afirmava que seu filme só havia sido possível pois, na mesma época, os executivos do estúdio estavam mais preocupados com outras duas produções de temática semelhante, Patton: Rebelde ou Herói? (1970) e Tora! Tora! Tora! (1970), e por isso não dispunham de tempo para prestar muita atenção no que ele estava fazendo. Pelo certo ou pelo duvidoso, o certo é que aqui um clássico se fez. E talvez até maior que seus irmãos mais, digamos, ‘ilustres’. Afinal, o teste do tempo não mente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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