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Sinopse

Brilhante roboticista que trabalha numa empresa de brinquedos, Gemma utiliza inteligência artificial para criar M3gan, boneca realista programada para ser amiga das crianças e aliada dos pais. Mas M3gan apresenta erros.

Crítica

Não há muito mistério em relação às intenções do diretor Gerard Johnstone (As Novas Aventuras do Macaco, 2018), da roteirista Akela Cooper (Maligno, 2021) e, principalmente, dos produtores James Wan e Jason Blum com M3gan, o mais recente projeto da produtora Blumhouse, responsável tanto por sucessos vencedores do Oscar, como Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) e Infiltrado na Klan (2018), como também por renovar o próprio gênero do terror, visto o impacto nas bilheterias de títulos como as sagas Atividade Paranormal ou Sobrenatural. O que se busca é partir de elementos clássicos, como a solidão infantil e o desespero do abandono, até a inversão dos mais profundos desejos, tais quais a busca por companhia e a eliminação dos problemas. São questões presentes na maioria dos contos de fadas que dessa vez ganham uma roupagem tecnológica, de aparência moderna, por mais que se contente em percorrer caminhos há muitos visitados e vez por outro opte por atalhos desgastados pelo tempo. Não há muito o que oferecer além daquilo que já está exposto em cena. A tentativa, portanto, de causar algum tipo de impacto, recai mais na forma do que no conteúdo. Uma escolha que raras vezes se mostra feliz.

A premissa remete ao infantil Pinóquio (1940), por mais que o ar de pesadelo que rapidamente se apossa da narrativa possa estar mais próximo de um caráter pessimista, como o visto em A.I.: Inteligência Artificial (2001). A inventora, dessa vez, é vivida sem muito brilho por Allison Williams, que havia se aventurado pelo gênero no muito mais ambicioso Corra! (2017). Deixando de lado qualquer leitura subliminar, ela aparece como Gemma, uma especialista em robótica que trabalha para uma grande companhia de brinquedos. Como é sabido que as crianças estão cada vez mais introspectivas e voltadas às telas e aos seus mundos particulares, ao mesmo tempo em que seus pais tem menos tempo para se dedicar aos filhos, arrumar maneiras de entretê-los se tornou o maior desafio. A situação se torna ainda mais complicada quando se trata de uma garota órfã, como é o caso de Cady (Violet McGraw, de Viúva Negra, 2021), que perdeu ambos os pais em um acidente de trânsito. A responsável por ela, agora, é a tia Gemma, uma nerd solteirona que, tanto por não saber como lidar com a garota, como também por estar em um momento particularmente estressante no trabalho, acaba por usar a menina como cobaia do seu mais novo projeto: M3gan.

Model 3 Generative Android, ou Terceira Geração do Modelo Androide, M3gan é uma boneca em tamanho real dotada de um chip de inteligência artificial que, de acordo com sua programação, vai aprendendo a agir à medida em que passa a conviver com os seres humanos. Sem bloqueios ou limites de comportamento – um vez que tudo vem sendo feito às pressas (há uma leve crítica ao capitalismo e ao consumismo desenfreado, um discurso que somente os mais atentos deverão prestar algum tipo de atenção), é tão certo quanto um e um são dois que logo as coisas começarão a agir não como anunciado pelos personagens, mas de acordo com os piores prognósticos possíveis. O que espanta, no entanto, não é a personalidade agressiva e vingativa que M3gan aos poucos começa a adotar para si – afinal, o homem é o lobo do próprio homem, já afirmava Hobbes – mas é o fato do enredo seguir o passo a passo de uma cartilha sem surpresas ou reviravoltas, concentrando-se apenas em executar cada um desses movimentos dentro de um quadro esperado. A impressão é que, para os realizadores, mais importante do que provocar a audiência é não decepcionar os supostos especialistas e aficionados, cegos pela proximidade e imersos em um círculo vicioso de difícil renovação.

Assim, de acordo com o que muito foi visto em outras produções similares, M3gan passará a identificar seus inimigos e se encarregar de eliminá-los um a um, sem expectativas ou dissimulações. A vizinha se mostra intrometida? Uma visita no meio da noite resolverá o problema. Um cachorro não respeita os limites entre as duas casas? Um assobio irá levá-lo até o seu fim. Um menino faz bullying durante um passeio pela floresta? Um tropeço se encarregará de levá-lo ao seu último suspiro. E assim por diante. Por mais que tenha se levantado comparações entre essa e Annabelle, a boneca amaldiçoada vista pela primeira vez na saga Invocação do Mal, talvez o mais correto fosse uma ligação com Chucky, o boneco assassino que gerou oito filmes e uma série para a televisão. A diferença, porém, é que enquanto esse era debochado e tão improvável a ponto de seguir uma tênue linha entre o sarcasmo e o absurdo, por aqui Johnstone e seus colegas optam por uma abordagem pretensamente sóbria, insistindo em uma trilha sonora monotemática que serve apenas para anunciar um clímax que nunca chega, pois facilmente antecipado se revela.

Após diversas coincidências – e momentos de pura descontração, como a dança (para os fãs) e a perseguição pelo corredor da empresa (um tanto xenofóbica, pois se encarrega de eliminar o único personagem que oferece um pouco de diversidade étnica ao elenco) – que vão deixando a responsável por tantos “acidentes” cada vez mais óbvia, chega-se à etapa final, quando criatura de volta contra o criador. Ou seja, mesmo em seu desfecho M3gan não se preocupa em oferecer nada de novo ou revolucionário, ocupando-se de um feijão com arroz requentado e sem acompanhamentos, que se por um lado poderá satisfazer os menos exigentes, em muitos deverá provocar forte indigestão, visto a ausência de criatividade ou mesmo expertise no preparo de uma receita favorecida tanto pela habilidade daquele no comando como pela ousadia na combinação dos elementos reunidos – dois tópicos em falta nessa mistura. Caso investisse na violência ou mesmo no pastiche, talvez alguma reação mais forte fosse alcançada. Nem isso, porém. Resta o bocejo defronte a algo já visto, experimentado e regurgitado – e sem chances de adentrar à memória coletiva como tantos dos seus predecessores.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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