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Sinopse

Maurício é calouro da Universidade Federal de Medicina. Ele é filho de Cida, auxiliar de enfermagem que dá duro para mantê-lo na faculdade. Em sua primeira aula de anatomia, o rapaz é apresentado a M-8, corpo que servirá para o estudo dele e dos amigos durante o semestre. Entre o mistério e realidade, terá que enfrentar suas próprias angústias para desvendar a identidade desse rosto desconhecido.​

Crítica

Tradicionalmente, junto com direito e engenharia, medicina sempre gozou do status de formação nobre. Exatamente por isso, se trata de um "lugar" no qual é possível verificar a perpetuação do elitismo, vide o pífio contingente de formandos negros inversamente proporcional à presença majoritária da população afrodescendente no Brasil. Portanto, quando Maurício (Juan Paiva) chega à faculdade para ter o primeiro dia como futuro doutor, o lastro histórico não citado, mas ali presente, é um componente pavimentando seu caminho de dificuldades. O cineasta Jeferson De não perece afeito a sutilezas em M-8: Quando a Morte Socorre a Vida, pois constrói um contato inicial dotado de várias circunstâncias para termos certeza quanto ao racismo sofrido pelo protagonista. Mesmo que tenha chamado a atenção por chegar atrasado, ele é interpelado no fim da aula pelo colega que o confunde com um funcionário. A cena é testemunhada, no segundo plano, por dois zeladores negros. Logo depois, o jovem enfrenta vários olhares desconfiados da passageira do seu ônibus.

Não se trata, infelizmente, de uma consecução de situações inverossímeis de discriminações, das quase imperceptíveis às escandalosas. Porém, a forma como Jeferson as articula em cena, as interligando sem que nenhum outro elemento complete lacunas entre as agressões frontalmente denunciadas, faz o desenho ganhar contornos saturados, beirando o artificial. M-8: Quando a Morte Socorre a Vida está preocupado em dispor as engrenagens e componentes do discurso do que necessariamente atento às complexidades das tantas demandas de Maurício. A cena da negociação com a atendente do hospital também padece dessa falta de organicidade na construção de episódios sintomáticos. O estudante negro tem negadas suas solicitações, o que não acontece com o colega branco que logo depois tem sucesso com a mesma abordagem. Entra também nesse bojo a dura imposta pelos policiais – com direito ao conselho de quem acabou de agredir, numa mistura curiosa entre proteção e cumprimento do dever – e da resistência da mulher burguesa destilando ignorância de modo caricatural. A prevalência da mensagem às vezes é asfixiante.

Jeferson De parece não confiar piamente na capacidade do público para compreender os gatilhos aos tormentos de Maurício, além disso frequentemente os simplificando. É perfeitamente possível captar que o jovem se sente angustiado no ambiente de estudo elitista, inclusive porque o tom da sua pele é análogo à negritude dos corpos dissecados após serem classificados indigentes, ou seja, dissonante da branquitude sobressalente entre os homens e mulheres de jaleco. Ao invés de costurar essa situação de forma sutil, o cineasta coloca a constatação na boca do personagem que faz amizade com os zeladores igualmente negros, assim buscando uma associação direta. São nobres as demandas de M-8: Quando a Morte Socorre a Vida, inclusive com relação a certa impossibilidade de conciliar mundos tornados díspares pela estratificação social. Pena que o excesso paute tais observações, como a chegada de Maurício à festa na cobertura dos colegas, circunstância em que ele é o único negro entre os convidados. Para enfileirar os indícios de um racismo profundo e estrutural, o cineasta vai esmaecendo a jornada desse herói improvável em busca de justiça.

Há muita história para pouco tempo em M-8: Quando a Morte Socorre a Vida. Nos cerca de 80 minutos do longa-metragem, várias dinâmicas e desdobramentos soam apressados, assim não ganhando espaço para amadurecer. A briga do casal interracial, o vilão arquetípico movido por ressentimento pessoal, o vínculo com o benfeitor idoso que emprega a mãe, os elos com os amigos dispostos a quebrar enraizados preconceitos e as mães em busca dos filhos desaparecidos pelas práticas de um Estado genocida. Jeferson De soa indeciso entre fazer de Maurício um corpo atravessado por múltiplos vieses do racismo ou alguém que aceita bravamente uma missão capaz de dirimir certa, ainda que pequena, parcela dessas violências perpetuadas ao longo dos séculos. As homenagens a Marielle Franco, a celebração de presenças ilustres, tais como as de Zezé Motta e Léa Garcia, soam mais apaixonantes ao realizador do que a possibilidade de aprofundamento nas questões propostas. Assim, o resultado é bem menos eloquente e nuançado do que a potência solicitada pelo tema.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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