Má Reputação
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Marta García, Sol Infante Zamudio
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Mala reputación
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2024
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Argentina / Uruguai
Crítica
Leitores
Sinopse
Má Reputação: Karina ganha a vida como trabalhadora do sexo na estrada e é uma ativista contundente. Agora, com 45 anos, e com sua vida itinerante, ela começa a imaginar uma vida trabalhando em outro campo e inicia o caminho para organizar suas colegas pelos direitos trabalhistas.
Crítica
O documentário Má Reputação fala de uma trabalhadora em busca de direitos e da mobilização de uma classe fragilizada a fim de que as leis e a união constituam um cinturão de seguridade. A protagonista é Karina, apresentada por meio do plano-detalhe no generoso decote utilizado para chamar a atenção dos clientes num cruzamento no interior do Uruguai. Trabalhadora do sexo, ela é uma ativista quase em tempo integral, alguém encarada pelo filme como força de mobilização coletiva para garantir a melhoria da realidade do seu segmento. As diretoras Marta García e Sol Infante Zamudio aproveitam bem o fato de terem uma personagem principal cativante e aguerrida, pois valorizam tanto a sua capacidade política quanto a determinação diária para ser enxergada como mais uma operária com pautas a reivindicar. A abordagem não é diagnóstica, ou seja, o filme não se insere naquela vertente que esmiúça a lógica do trabalho sexual a partir de parâmetros sociológicos ou comportamentais. Ninguém, nem a própria Karina, defende a atividade ou ataca um ganha-pão tão marginalizado como esse, até mesmo porque o foco permanece na batalha para a garantia de condições mais adequadas ao grupo. O filme acompanha Karina num dia a dia atribulado por um sem número de funções. A câmera é um dispositivo invisível, não está ali para perturbar esse cotidiano, mas para o registrar com respeito.
Karina lidera uma tentativa organizada de reivindicação social. Ao ser perguntada desde quando é prostituta ela afirma que dos 12 aos 26 anos desempenhou essa função, mas que dali em diante se transformou numa orgulhosa trabalhadora do sexo. A diferença entre “prostituta” e “trabalhadora do sexo” não é estritamente semântica, mas de ordem estrutural. Ao demarcar essa mudança, Karina assinala o momento em que compreendeu a diferença entre estar à mercê e assumir as rédeas da própria atividade ocupacional. Aos 45 anos de idade, ou seja, há mais de três décadas trabalhando na área, ela começa a pensar em mudar de segmento, mas não deixa de lado a luta para garantir avanços fundamentais. Um dos aspectos mais interessantes da abordagem desse documentário é que em nenhum momento há sentenças definitivas sobre as coisas. Karina não se coloca numa posição vulnerável ao falar da profissão. E isso acontece, também, porque o foco do filme nem é o trabalho sexual, mas a capacidade agregadora dessa militante atuante numa área fragilizada e precarizada pela marginalização. Tanto que as principais cenas não têm nada a ver com o exercício do ofício sexual, mas com a articulação política nos bastidores, isso sem perder de vista a ternura inerente às pessoas reivindicantes. Aliás, um dos principais acertos do filme é mesclar política e afeição como itens indissociáveis.
Marta García e Sol Infante Zamudio fogem ao clichê da construção de uma marginalização estereotipada. Claro que Karina e suas companheiras, tanto as trans como as cis, sofrem diariamente por trabalhar numa área à mercê de homens que julgam ter algum tipo de poder sobre elas. É evidente que as trabalhadoras do sexo também encaram preconceitos da sociedade local, ainda mais levando em consideração que estamos falando de uma comunidade interiorana e, por isso mesmo, tendenciosamente provinciana. Essas dificuldades estão no imaginário popular, no horizonte de quem tem ao menos um pouco de empatia por essa classe comumente citada como atuante na “mais antiga profissão do mundo”. Por isso mesmo, Marta e Sol optam por não reiterar tudo isso, apenas deixando espaços nas entrelinhas para o filme não parecer romântico ou alienado da realidade. Como na cena em que, numa reunião entre amigos, alguém reclama por Karina estar bebendo refrigerante diretamente na garrafa. Diante dos protestos, a protagonista diz “mas faço teste todo mês”, se referindo aos exames rotineiros para detectar alguma infecção sexualmente transmissível. As diretoras não enfatizam o receio da amiga de Karina, mas tampouco deixam de registrar esse temor baseado num preconceito enraizado. O sintoma está posto, mas Marta e Sol não sublinham o que já está dito, sugerido e compreendido.
Muitas vezes, filmes sobre trabalho sexual optam pelo viés da denúncia e, ocasionalmente, até resvalam no sensacionalismo. Não é o caso de Má Reputação. Quando Karina é vista se arrumando para os clientes, o mais importante é a alegria no contato com as amigas; ao mostrar a protagonista seduzindo caminhoneiros à beira da estrada, o foco não está numa possível degradação, mas na maneira como essa mulher desempenha a sua função; ao conferir espaço para Karina falar sobre as tentativas de mudar de profissão, a atenção não está necessariamente no descontentamento com a atividade sexual, mas nas burocracias de uma sociedade que impõe barreiras para alguém mudar de trabalho aos 45 anos. Em suma, Marta García e Sol Infante Zamudio fazem um filme sobre uma operária em busca de melhores condições de vida, mas sem negar as particularidades do trabalho sexual, ou seja, concomitantemente sendo universais e específicas. Mas, além do discurso, um dos principais trunfos desse bom documentário é a sua protagonista. Karina é uma figura impagável, uma pessoa complexa que carrega dores e alegrias em semelhante medida, alguém capaz de rir das adversidades e doar até mesmo o tempo em que está tomando banho (antes de um atendimento) para conversar sobre pautas coletivas. Enquanto luta pelo sustento, ela vai tentando construir pontes e redes de proteção à sua classe.
Filme visto no 18º CineBH, em setembro de 2024.
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