Crítica
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Sinopse
A história de um homem machucado pela guerra que tenta reconstruir seu relacionamento com a amada esposa, Lady Macbeth, enquanto ambos lutam com as forças da ambição e do desejo. Avisado de que poderia se tornar o rei da Escócia, o general escocês Macbeth acaba criando um complô para ter o trono para si a qualquer preço.
Crítica
Esta não é a primeira – e nem mesmo a melhor – das adaptações do texto considerado maldito de Willian Shakespeare. No entanto, Macbeth: Ambição e Guerra está longe de estar desprovido de méritos próprios que justifiquem uma atenção redobrada, seja nos quesitos técnicos de sua realização – como a fotografia inebriante ou a trilha sonora hipnótica – ou a excelência de suas atuações, principalmente no que diz respeito ao desempenho de seus dois protagonistas, o alemão Michael Fassbender e a francesa Marion Cotillard. Ele, como o selvagem guerreiro que dá título ao filme, e ela como sua esposa, primeiro cega pela ganância e depois tomada pela culpa, oferecem novas camadas de leitura a este drama universal, que agora ganha uma releitura eficiente, tanto respeitosa ao material original quando própria para o mundo atual.
Macbeth está voltando da guerra. No caminho, é confrontado por bruxas que preveem boa fortuna no seu destino: ele está destinado a se tornar o novo Rei da Escócia. Aqueles dizeres, se no início não chegam a ser levados a sério, logo adquirem outros contornos, principalmente após serem confidenciados a sua companheira, Lady Macbeth, que vê ali augúrio de um novo tempo para o casal. Porém eles – ela, principalmente – não está disposta a esperar. E se for necessário intervir para que as engrenagens comecem a se mover a seu favor, ambos estarão dispostos a tudo, inclusive trair aqueles que sempre estiveram ao seu lado e neles depositaram toda a confiança – inclusive o próprio rei (afinal, em última instância, tem-se nele o obstáculo final na jornada do predestinado rumo ao poder). Ele, no entanto, é a força bruta, é a ação, é quem fará acontecer. Ela, por outro lado, é a voz que sussurra em seu ouvido, que o induz a pensar nas possibilidades além de sua imaginação e a cometer os atos que não ousaria. Um é o prego. E o outro é o martelo.
Coube a um trio de novatos desenvolver o roteiro de Macbeth: Ambição e Guerra, e se estes não ousam muito – há, no entanto, algumas diferenças importantes, como a dor que o casal sofre pela perda do filho, ressaltada em uma das primeiras cenas, ou o próprio perfil psicológico do protagonista, em constante stress, seja pela rotina de morte e violência a qual está imerso ou à falta de sossego que encontra ao lado da mulher – está nas mãos do diretor Justin Kurzel a responsabilidade em dotar sua versão de elementos suficientes para que ela se mantenha em pé por força própria, e não dependendo da boa vontade dos fãs do original. Se por um lado o texto clássico de Shakeaspeare é preservado em sua essência – por mais estranho que ouvir tais dizeres nos dias de hoje possa soar, logo esse choque inicial é suplantado – por outro o realizador entende estar desenvolvendo uma linguagem cinematográfica para o enredo, fazendo uso de todos os pontos de apoio que essa tem a seu dispor: luz, cores, ambientes, cenários, figurinos, música e intérpretes entregues em absoluto.
A sintonia entre Kurzel, Fassbender e Cotillard parece ter dado dão certo que o trio já está envolvido em um novo trabalho: juntos realizarão a adaptação para o cinema do videogame Assassin’s Creed (2016). A pegada parece mudar de forma radical, mas em resumo teremos mais um personagem determinado a atingir seus objetivos, tendo que lidar no caminho com uma forte presença feminina. Se em tratamentos anteriores Lady Macbeth invariavelmente soava como a vilã causadora de todo o mal que se desenrola, aqui ela ganha traços mais trágicos, com motivações e consequências. Ainda que sua participação seja limitada – cada aparição é de grande impacto, e ao se despedir ficamos lamentando por mais – a rainha consumida pelo remorso e pela loucura se levanta como uma das grandes personagens dos nossos tempos.
Mas é com o próprio Macbeth que nos ocupamos a maior parte do tempo, e não sem razão. Inóspito como os campos tomados pela neblina que o cercam no começo, submerso pelo sangue vermelho vivo que encontra por todos os lados a que se dirige e seco como o árido amarelo que lhe resta ao lado do trono, ele conquista o que almeja e nada disso parece lhe trazer paz ou tranquilidade – o que, afinal, persegue desde o começo. Pelo contrário, sua situação fica cada vez pior, mais angustiante e desesperadora. Macbeth: Ambição e Guerra é movido por essas questões, tanto no plano físico quanto no interior de seus protagonistas, e ao espectador cabe o confronto com essa verdade tão dura e enérgica, em uma leitura atual e absurdamente pertinente. Pois a vida, afinal, tanto séculos atrás como ainda hoje, segue sendo tomada pelo som e pela fúria. E disso ninguém melhor do que o bardo para afirmar com toda a propriedade.
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