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Sinopse

Anne e Bob são um casal rico que decide se mudar para Paris. Chegando lá, se apresentam à sociedade em um grande jantar. A chegada de um convidado a mais faz com que a conta dos presentes seja igual a 13, um número maldito pelo casal. Eles decidem então arrumar a empregada da família como se fosse uma cidadã da alta sociedade parisiense para espantar o azar – mesmo que com isso, façam com que tudo dê errado por causa da atrapalhada mulher.

Crítica

Em um jantar em que estarão presentes prefeitos, empresários e negociantes de arte, a anfitriã descobre, poucos minutos antes do combinado, que serão treze – e não doze, como havia previsto – pessoas à mesa, graças a um intruso de última hora (o filho mais velho do marido). Supersticiosa, decide convocar a governanta para se juntar a eles, sob uma rígida orientação: “você deve falar de menos, rir de menos, comer de menos. Finja ser invisível”. As coisas só não saem exatamente como o planejado pois um dos convidados, um solteirão convicto, acaba se interessando pela ‘misteriosa mulher’ que ninguém conhecia. O que era para ser a solução de um problema menor se torna centro de um debate fora do controle. Madame, longa escrito e dirigido por Amanda Sthers, no entanto, evita o caminho mais fácil, mostrando-se afeito às sutilezas, em detrimento ao riso fácil e à previsibilidade do conto de fadas que chega a tangenciar, sem nunca, no entanto, nele marcar presença.

Sim, pois, à despeito de contar com os oscarizáveis Toni Collette (indicada ao prêmio da Academia por O Sexto Sentido, 1999) e Harvey Keitel (que concorreu por Bugsy, 1991) à frente do elenco, Madame é palco para o show de uma única atriz: Rossy de Palma. Estrela de beleza singular que ficou marcada por suas parcerias com Pedro Almodóvar – sua estreia foi em A Lei do Desejo (1987), e ao todo esteve em sete longas do cineasta espanhol, inclusive no recente Julieta (2016) – Rossy mostra de vez ser intérprete de mais de um papel, indo da comédia ao drama com extrema suavidade, sem tropeços ou grandes agitos. Como a empregada alçada à condição de convidada de honra, ela deveria apenas compor o cenário, como apenas mais uma mobília ao gosto dos padrões. Os tempos, no entanto, são outros, e não será difícil para ela mostrar que é muito mais do que dela se espera.

Há um preço, no entanto, a pagar por tamanha ousadia – imagina, quem lhe permitiu ter voz própria? Quando David Morgan (Michael Smiley, de Rogue One: Uma História Star Wars, 2016) se encanta pelo charme natural dela, o casal Fredericks (Toni e Harvey) precisa ficar quieto, pois revelar a verdade poderia ter consequências ainda mais desagradáveis – ele está num aperto financeiro, e depende do amigo para fechar um grande negócio, e por isso não seria nada inteligente desapontá-lo. Já a dona da casa se vê no meio de uma competição inesperada com a empregada. “Passo meus dias me privando de tudo, num esforço contínuo para me manter jovem e bonita. Já a outra basta entrar na sala para descobrir o amor. O que estou fazendo de errado?”, se pergunta, sem se dar conta de que tamanho esforço nem sempre oferece resultados concretos. Ainda mais quando se referem a assuntos do coração.

Na primeira cena de Madame, Anne (Collette) e Bob (Keitel) estão andando de bicicleta pelas ruas de Paris. “Ande ao meu lado, e não atrás de mim. Se for para ser assim, é como se estivesse pedalando sozinha”, reclama ela ao parar numa esquina. “Pois bem, que assim seja”, retruca ele, deixando-a de lado em busca de um descanso. É um trecho rápido, mas que com eficiência demonstra a falta de sintonia do casal. O surgimento de Maria (De Palma) como uma força presente, e não apenas uma figura invisível ao fundo, irá desequilibrar ainda mais essa frágil composição familiar. E entre um flerte do marido e uma tentativa de traição da esposa, mais simples será eliminar aquela que colocou esse desconforto em evidência do que tratar da origem dos problemas. Mais uma vez, será o lado frágil que acabará, enfim, pagando o pato.

Era de se esperar, com um elenco desses e uma situação como a proposta, que a diretora e roteirista Amanda Sthers fizesse uma comédia rasgada, apostando em clichês debochados e soluções escrachadas, investindo no riso rápido e passageiro. Ela busca em Madame, no entanto, algo mais perene. Nem sempre alcança, é verdade. O ritmo que persegue tem suas características próprias, e qualquer discussão mais profunda poderá distrair ao invés de aproximar. Mas ao menos tenta, e é a isso que devemos nos ater. A discussão de classes, a condição de imigrante, o conflito de idades e até as barreiras sociais: estão todos ali, vivos em cena, prontos para serem debatidos. Mas talvez não seja função destes personagens se aprofundarem nestas questões, servindo mais ao espectador atento aos detalhes. A proposta é interessante, e tem seus méritos. Resta saber se, após o riso amargo que oferece, ainda haverá espaço para a reflexão.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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