Crítica
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Sinopse
Viena, 1777. A pianista cega Maria Theresia Paradis, de 18 anos de idade, perdeu a visão durante seus primeiros anos de vida. Após inúmeros experimentos médicos fracassados, seus pais a levam ao controverso médico Franz Anton Mesmer, e ela se junta a um grupo de pacientes extravagantes, que buscam no magnetismo uma oportunidade de cura para males que a ciência tradicional não resolve.
Crítica
Há uma diferença substancial entre o mundo visualizado e o tátil. Não à toa, quando recupera parte da visão, Theresia (Maria Dragus) tem dificuldade para estabelecer equivalência entre os objetos outrora somente tocados e as suas respectivas representações imagéticas, agora à disposição. Todavia, infelizmente, Mademoiselle Paradis passa de modo célere por essa questão aparentemente vital a várias das tensões observadas, então tratadas com certa displicência pela cineasta Barbara Albert. Por exemplo, a falta de entendimento quanto a essa discrepância um tanto óbvia reforça o ceticismo daqueles que rechaçam os métodos do doutor Mesmer (Devid Striesow). Ela também está presente na difícil experiência da protagonista, especialmente no que tange ao comprometimento do seu talento musical na fase de adaptação. Todavia, não há um aprofundamento nesse meandro imprescindível, o que configura um desperdício determinante. Embora a trama transcorra num ritmo relativamente satisfatório, pesa o acúmulo deses vieses subaproveitados.
Mademoiselle Paradis mostra, inicialmente, o sofrimento de Theresia diante da frieza dos pais, ambos aparentemente diligentes com as aparências, e de uma fatia da sociedade que valoriza a excepcionalidade. Virtuose no piano, essa jovem, cega desde os três anos de idade, enfrenta resistências, tendo sua guarda provisoriamente confiada ao médico que promete melhora através da manipulação de uma energia invisível e imensurável. A ponte óbvia entre a técnica calcada na crença do paciente e dos familiares, ou seja, num componente inacessível aos olhos, e a condição da artista está ali, bem escancarada, mas não aponta a algo para além do elo superficial. A realizadora é incapaz de estabelecer uma indagação consistente sobre a efetividade do método alternativo, mesmo que deixe pelo caminho certas pistas pretensamente instigantes, como a recorrência do amarelo nas demonstrações “exitosas” e a possibilidade de um paliativo ser compreendido como cura da moléstia agravada por estresse, condição absolutamente ignorada no século 18.
Barbara Albert constantemente modifica o foco, saindo do infortúnio pessoal da protagonista e jogando breves focos de luz sobre elementos periféricos. Um deles, tampouco desenhado com acuidade, é a diferença de acolhimento, isso de acordo com o estrato social. Na corte, o mínimo sinal de diferença é suficiente para gerar discriminação. Embotados pela leviandade diante da beleza, vide os concertos de piano que supostamente elevam o espírito dos convivas no encontro com a arte, os burgueses não se dispõem a acalentar quem destoa minimamente dos padrões. Nesse sentido, ainda que recorrendo ao maniqueísmo, a cineasta demonstra a verdadeira fidalguia de espírito dos empregados, que não apresentam restrições para conviver com portadores de necessidades especiais. Esse abismo de classes se intensifica com a morte brutal de um menino, cujo cadáver é quase indiferente aos que, naquele instante, estão mais preocupados com suas reputações e afins.
O próprio elo entre Theresia e Mesmer permanece num campo indeterminado, menos pela vontade de lançar mão de uma bruma a fim de adensar os mistérios, mais por conta da inabilidade na extração daquilo de um espaço mediano. Mademoiselle Paradis ameaça erigir Agnes (Maresi Riegner), a bondosa serviçal, a um lugar destacado da narrativa, mas acaba deixando esse potencial se esvair em meio a tantas coisas acontecendo. Diferentemente da bela cena em que a protagonista acaricia uma galinha, obviamente alinhando suas percepções táteis e visuais, o longa-metragem se atém pouco às sutilezas, se valendo de personagens arquetípicos para criar uma trama curiosa, baseada em fatos que expõem a hipocrisia dos mais abastados, bem como a cegueira diante do que verdadeiramente importa, mas que permanece integralmente num terreno morno. Não chega a aborrecer, sobretudo em virtude da excelente interpretação de Maria Dragus e das boas sequências plásticas, como as que emulam a visão turva da pianista, mas carece de uma mão diretiva firme.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Roberto Cunha | 6 |
MÉDIA | 5.5 |
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