Sinopse
No apartamento em que mora, uma mulher recebe o telefonema do filho de seis anos que está de férias na França com o pai. O pesadelo que se segue é crescente e exasperante.
Crítica
O primeiro plano de Madre, curta-metragem de Rodrigo Sorogoyen indicado ao Oscar 2019, se trata de uma belíssima panorâmica de uma praia aparentemente deserta. A câmera se desloca compassadamente da areia para o mar, nesse movimento denotando certo mistério, quiçá apontando para a quebra do tom idílico do cenário comumente associado à tranquilidade. Tal sensação se confirma no final, quando uma tomada semelhante vem carregada da exasperação descolada de um desalento enorme. Um menino de seis anos está provavelmente desamparado numa praia francesa, longe da mãe e bastante angustiado quanto à ausência do pai. A criança nunca é corporificada em cena, temos dela apenas a voz gradativamente atemorizada pela solidão. Sua mãe, Marta (Marta Nieto), entra num vertiginoso processo de exasperação por conta da tragédia anunciada a milhares de quilômetros pelo telefone. E o filme constrói exemplarmente essa tensão.
O miolo de Madre é um impressionante plano-sequência por um apartamento de corredores relativamente pequenos, numa coreografia que visa estreitar os laços entre o espectador e o sofrimento da mãe que de modo crescente vai entendendo a gravidade da circunstância anunciada por seu pequeno à distância. O grande mérito da encenação aqui é, além de escapar a uma possível artificialidade oriunda de um excesso de marcação, valorizar a atuação de Marta Nieto, atriz que precisa organizar os sentimentos da sua personagem de forma cronológica e ininterrupta. Não há tempo para maturar paulatinamente o estado de desespero que toma conta dela, principalmente em virtude da opção pela ausência de cortes. Tudo é urgente. Se trata de um feliz exemplo de direção e atuação tidas como entidades simbióticas, se retroalimentado em prol do conjunto.
Rodrigo Sorogoyen transforma uma ligação banal, daquelas que os filhos em viagem fazem para suas mães a fim de aplacar saudades às vezes precoces, numa anunciação inquietante. A cada elemento disposto se agiganta a impotência de Marta diante da conjuntura. O garoto está sozinho, sem notícias do pai que saiu para fazer algo e não voltou. Para complicar as coisas, há a lonjura (mãe na Espanha e filho na França), a ignorância quanto ao paradeiro exato (pois a praia não tem edificações características, a julgar pela fala trêmula do menino) e a aproximação perigosa de um estranho. Esse caldo dramático é temperado com uma sutileza forte, a presença da avó (Blanca Apilánez), figura aparentemente decorativa, mas cuja natureza é essencial para dotar de camadas o crescendo de agonia que toma conta de Marta. Parece dispensável, mas não é.
Rodrigo Sorogoyen substancia a avó por meio das alfinetadas que antecedem a ligação fatídica. A reprimenda leve quanto à ausência de água gelada no refrigerador, “é claro que não há”, com ênfase sintomática no “claro”, se comunica adiante com a censura incontrolada pelo fato de sua filha não saber exatamente onde o neto está. Essa sutileza abre um caminho considerável para entendermos a relação pregressa delas como atravessada por um sem número de dissensos, inclusive divergências com respeito ao que seria uma maternidade pretensamente responsável e estável. Essas entrelinhas são vitais (e fortes) para justificar a presença da mais velha em cena, além de colaborar decisivamente para o entendimento das personalidades de ambas. Madre utiliza a exiguidade do tempo e do espaço a seu favor, desenhando mágoas e desesperos com muita pujança.
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