Sinopse
Crítica
Em 2017, o cineasta espanhol Rodrigo Sorogoyen chamou atenção com seu curta-metragem Madre – você pode ler a nossa crítica sobre o filme aqui. Nele, uma trama com elementos simples em pouco menos de 20 minutos: duas personagens visíveis, uma voz infantil ao telefone e somente um cenário. A espanhola Elena (Marta Nieto) recebia a ligação do filho que estava numa viagem pelo litoral da França. O menino de seis anos de idade dizia não saber onde seu pai estava, chorava a ausência do adulto e as coisas iam ficavam mais angustiantes à medida que o pequeno relatava a aproximação de um sujeito estranho. Este outro Madre, o longa-metragem, começa reproduzindo integralmente o seu antecessor como uma espécie de prólogo. Portanto, não é preciso ter assistido previamente ao curta, pois ele é exibido no começo do longa. No curta, a tensão quase insuportável era exibida num plano-sequência em que víamos a mãe sendo invadida pelo desespero. Já no longa, a placidez melancólica assume esse lugar de destaque. Passados 10 anos, Elena deixou a Espanha e foi morar à beira-mar na França – provavelmente na praia em que seu menino se perdeu há uma década. Ela é gerente de um restaurante badalado por turistas e tem uma rotina banal até conhecer Jean (Jules Porier). Esse deslocamento geográfico sugere que ela nunca deixou de procurar a criança desaparecida.
No curta, era mencionado algo relacionado a surf; no longa, o adolescente Jean aparece com uma prancha na mão. E as rimas param por aí. O garoto surge como uma possibilidade simbólica para Elena, talvez para ela se curar por meio de uma conexão que não passa pela dúvida. Sim, pois em nenhum momento se acha que Jean é o filho perdido. A atriz Marta Nieto mantém o semblante angustiado da personagem, permitindo que a plateia deduza muitas coisas por sua composição física e emocionalmente consistente. Sua Elena nem minimamente superou a perda, existindo quase como se fosse um fantasma preso ao plano material pela dor que teima em não lhe dar sossego. E o cineasta Rodrigo Sorogoyen se distancia das explicações e dos esclarecimentos, deixando propositalmente no ar muitas coisas à interpretação do espectador. Essa aposta na inteligência e na sensibilidade alheias é um dos pontos positivos do longa. Por exemplo, Elena segue Jean até a sua casa, testemunha um almoço familiar e permanece cabisbaixa ao voltar à sua rotina. Diversas nuances podem ser lidas nesses movimentos orquestrados para enfatizar o sofrimento da mulher em contato com um fio improvável de esperança. Não se trata de determinar a semelhança entre o adolescente e a criança, mas de compreender a necessidade da protagonista de, ao menos, sonhar com algo ao eleger Jean como substituto.
Feitas as observações quanto aos aspectos positivos de Madre, é preciso fazer certas ressalvas. Da parte de Elena, fica clara a sua motivação: ela está em busca de uma conexão que crie, talvez, um paliativo ao seu tormento. A mulher enxerga em Jean o que seu filho poderia ser, assim agindo maternalmente diante das dúvidas do jovem (amores, temores, solidão). Preso a esse diagnóstico, o filme deixa a desejar quanto às motivações do outro lado, ou seja, as do adolescente encantado pela estranha. Jean encontra na desconhecida um escape para a relação conflituosa com sua família? Claro. E isso também é bastante explícito. Porém, Rodrigo Sorogoyen acaba negligenciando um ângulo óbvio, o da possível paixão que o menino nutre por essa enigmática e receptiva amiga mais velha. Ao permanecer atrelado às confusões de Elena, o cineasta tampouco dá atenção à compreensível restrição dos pais de Jean (menor de idade) diante da proximidade dele com uma mulher adulta. Aliás, a família do rapaz é enxergada meramente como um obstáculo. Por conta da falta de interesse da direção, não é possível saber se Jean é como qualquer revoltado de sua idade ou se a aparente tranquilidade da família burguesa é uma simples mentira, uma membrana que esconde verdades duras.
Rodrigo Sorogoyen se esforça para a relação entre Elena e Jean não ter traços sexuais, para ser uma simulação maternal/filial. Por isso, soa deslocada (forçada?) a troca de carinhos eróticos (beijos na boca, lábios no pescoço) quando os dois precisam se despedir. Até aquele momento, Madre negava o equivalente a um Complexo de Édipo entre os sofredores (ela, por ter perdido alguém; ele, ao tentar encontrar seu espaço no mundo). Por conta dessa breve troca de carícias mais ambíguas, as coisas ficam estranhas. É sugerida uma área cinzenta que não existia até ali. Outro problema é a quantidade de tomadas longas sem justificativa pelo conteúdo dramático. No curta, Rodrigo fazia da câmera inquieta a testemunha de um universo rapidamente arruinado, o da protagonista soterrada pela própria impotência. Aqui, ele prefere mudar o tom e apostar nas contemplações demoradas, mas sem tanto para legitimar uma lentidão que às vezes impõe uma morosidade improdutiva. Exemplo disso, quando Elena encontra o ex-marido. Evidentemente há muito (dores, traumas, raiva) no silêncio de ambos, mas a encenação está mais preocupada com a proeza técnica/plástica da aproximação lenta do ex-casal constrangido do que com o efeito dramático causado por esse belo deslocamento do dispositivo de filmar. Assim sendo, o recheio (o turbilhão de sentimentos) perde força, como em vários outros instantes nos quais a dominante emocional de um plano é sabotada pelo virtuosismo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Chico Fireman | 5 |
MÉDIA | 5 |
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