Crítica
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Muita gente considera que o horror pressupõe a existência de entidades procedentes de mundos estranhos, criaturas antinaturais e malignas. E isso é fácil de compreender porque realmente esses personagens são constantes em obras do gênero. No entanto, é possível também enquadrar nesse modelo outras ameaças (assassinos em série, maníacos, mentalidades que orientam uma pequena comunidade, etc.). Em Madres: Mães de Ninguém o cineasta Ryan Zaragoza curiosamente começa com uma citação do escritor Joseph Conrad que diz o seguinte: “A crença em uma origem sobrenatural do mal não é necessária, o homem, por si só, é capaz de qualquer maldade”. E essa opção é estranha, pois acaba entregando boa parte do jogo. Uma vez que o realizador faz questão de dizer algo do tipo: olha, o homem é o pior dos males, então o sobre-humano não é necessário para explicar a maldade, o que fazer com a desconfiança posterior de que existe um fantasma na vizinhança? O espectador tem duas saídas básicas: manter a postura cética, confiando plenamente na carta de intenções que precede a primeira tomada do filme; ou não perder de vista essa sentença na sua investigação pessoal dos meandros do enigma. A própria dúvida entre qual caminho tomar na relação com o mistério poderia render uma experiência bastante angustiante, não fosse a displicência no cozimento dos ingredientes.
A premissa de Madres: Mães de Ninguém tende a ser familiar aos apreciadores do horror. Diana (Ariana Guerra) e Beto (Tenoch Huerta) formam um casal de mudança para uma pequena cidade norte-americana nos anos 1970. E o filme cumpre à risca o itinerário que já virou lugar-comum cinematográfico em produções de natureza semelhante. Os casados chegam à residência desgastada pelo tempo, com direito ao papel de parede floral soltando e sugestão de mofo. Encontram prontamente resquícios dos enigmáticos antigos moradores. Assim, os protagonistas do longa-metragem que faz parte do projeto Welcome to The Blumhouse são forasteiros que desconhecem o funcionamento da cidade, bem como o passado e as crenças vigentes por ali. Esse deslocamento não é bem aproveitado pelo cineasta que sequer consegue consolidar o choque cultural como elemento potencialmente conflituoso. Beto é um mexicano que foi ilegalmente aos Estados Unidos há anos, mas que venceu as barreiras impostas aos hispânicos na terra do Tio Sam. Já Diana é fruto da primeira geração nascida nos EUA de uma família também de latino-americanos. Sua falta de conhecimento da língua espanhola poderia ocasionar bem mais do que meia dúzia de desconfortos pontuais que provocam, no máximo, desentendimentos desproporcionais. No entanto, as entrelinhas não ganham a devida atenção.
Fato é que Diana começa a ter visões na casa nova (outra convenção). Ela é uma mulher cética que faz pouco caso do entendimento local de que existe uma maldição afetando as mulheres grávidas como ela. Madres: Mães de Ninguém propõe um caminho previsível. Diana encontra informações imprescindíveis nos pertences da antiga moradora da casa e passa a desconfiar que a calamidade não tem nada de sobrenatural, sendo causada pela utilização desenfreada de pesticidas nas lavouras, como a que emprega o seu marido. Nesse ponto, o longa-metragem ensaia uma guinada interessante rumo ao drama social. Porém, Ryan Zaragoza parece excessivamente hesitante diante da possibilidade de deixar fantasmas, lendas e crendices de lado e abraçar vigorosa e abertamente o discurso “o homem é o pior inimigo do homem”. Ele continua fazendo a mulher enxergar assombrações, quando muito sugerindo que talvez sejam alucinações por contaminação de agrotóxicos. Essa dúvida que poderia ser benéfica para o suspense acaba se tornando mais uma camada pouco trabalhada ao longo do filme. Outro desperdício é a vulnerabilidade da protagonista como gestante prestes a dar à luz. Enquanto investiga desconfianças, a jornalista nem é abordada como alguém que carrega um milagre. Portanto, nem a surrada oposição entre mal e bem é empregada pelo realizador para inquietar.
Indeciso entre abandonar de vez o sobrenatural e continuar o inserindo pontualmente em seu filme, Ryan Zaragoza não provoca medo pela incerteza e tampouco consegue preencher as lacunas com uma crítica social consistente. Quando imaginamos que a "disputa" é entre a maldição fantasmagórica e o emprego irresponsável de defensivos agrícolas, surge um novo assunto nos últimos minutos reclamando o protagonismo da situação. O filme que informa lá no começo se tratar de algo baseado em fatos, termina com cartelas que revelam uma conjuntura verdadeiramente aterradora que afeta as imigrantes nos Estados Unidos. Antes do “vilão” fazer o seu discurso, explicando devidamente porquês e senões, Madres: Mães de Ninguém já sofria de uma evidente falta de fôlego. As circunstâncias mostradas renderiam bons desdobramentos se não fossem tão simploriamente esgotadas. E aparentemente o realizador tenta utilizar a novidade dos últimos minutos como se estivesse dando um choque desfibrilador no espectador. A revelação dos reais motivos por trás de tudo aquilo é um plot twist desajeitado, especialmente porque depois desse movimento a trama acelera inexplicavelmente rumo a uma sucessão de acontecimentos bizarros. O resultado é um encerramento saturado e sem força dramática. Uma pena, pois a denúncia da mentalidade que submete os mexicanos a algo revoltante poderia render uma constatação menos canhestra de que o pior monstro não é o regresso dos mortos.
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