Crítica
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Sinopse
A vida do adolescente Pierre vira de cabeça pra baixo quando ele recebe uma denúncia e é obrigado a fazer um teste de DNA. Após o resultado, descobre que a mulher que o criou não é sua mãe biológica, e sim uma estranha que o roubou na maternidade. Assim, ele é obrigado a trocar de família, de nome, de casa, de escola. No meio desse processo, talvez acabe trocando também até de gênero.
Crítica
Mãe Só Há Uma, atesta o título do longa-metragem de Anna Muylaert. Pierre (Naomi Nero), protagonista dessa história, descobre na mais delicada fase de sua adolescência que ele tem duas, na verdade: aquela que vai presa por tê-lo roubado ainda na maternidade e uma outra, biológica, que finalmente o encontra passados 17 anos. A primeira o dava amor e afeto compartilhados com uma irmã mais nova, enquanto a segunda o provê com bens que tais sentimentos não podem comprar. Como um vestido curto e estampado, por exemplo. Mencionei que a adolescência de Pierre passava por uma fase delicada?
Apresentado aos ecos do sucesso internacional de Que Horas Ela Volta? (2015), o trabalho seguinte de Muylaert guarda poucas semelhanças com seu antecessor. A comparação é inevitável, considerando a proximidade do lançamento dos dois filmes e suas estreias premiadas no Festival de Berlim, desta vez com o Teddy concedido pelo júri da crítica da revista Männer. Ainda assim, é uma obra muito distante da crítica social e humor agridoce da dramédia protagonizada por Regina Casé e Camila Márdila; aqui temos uma trama melancólica e crua sobre os meandros muito mais íntimos das qualidades que constituem uma família além da genética, somadas a pontuais questões sobre gênero e sexualidade.
Jéssica dá lugar à Pierre, que entre os dilemas envolvendo suas mães – de criação e biológica – vive entre a escola, os ensaios de sua banda e ocasionais incursões por baladas. É numa delas, na introdução do filme, que ele leva uma garota ao banheiro para transar e acaba revelando seu fio dental rendado. Em outros momentos, acompanhamos o garoto trocando beijos com duas meninas que acabou de conhecer, outros beijos com o vocalista de sua banda, fazendo selfies com rímel e batom e provando vestidos curtos. É nessa fluência que sua sexualidade se desenvolve, mas enquanto ele encara com irreverência o que parece uma afronta à família tradicional brasileira, não demonstra a mesma flexibilidade para aceitar as novas conjecturas de sua própria família. Trata-se, afinal, de um jovem garoto, inseguro e fragilizado como tal, mesmo que as camadas de maquiagem e sua postura escondam isso.
Antes mais cadente e aprofundada nas reflexões que propunha, Muylaert não se debruça em demasia aos conflitos e temas lançados em Mãe Só Há Uma. Pelo contrário, ela joga questionamentos aos espectadores e termina sem preparar muitas proposições, o que pode provocar certo incômodo por algumas arestas soltas, mas também torna sua mensagem mais pungente e coerente com o universo de seu protagonista. A fotografia de Barbara Alvarez é conivente a este propósito; ela segue fluente entre câmeras na mão e enquadramentos inquietos que compactuam com a sensação de urgência e instabilidade nas relações da trama. O roteiro de Muylaert é rápido e não se resolve inteiramente nos 82 minutos do filme, mas tudo o que seu enredo tinha para contar parece estar ali; é o recorte de uma vida que representa o recorte de tantas outras. Há uma ou outra sequência desnecessária – como as tramas paralelas com o novo irmão de Pierre, Joca (Daniel Botelho), na academia e na escola – o que é curioso para um filme tão curto. Ainda assim, são pequenos deslizes numa história repleta de admiráveis acertos.
O elenco de Mãe Só Há Uma é outro de seus êxitos. Para começar, temos a excepcional Daniela Nefussi no papel das duas mães de Pierre, Aracy e Glória, algo que talvez fique evidente apenas nos créditos finais da produção – sinal menor da possível desatenção do espectador do que do talento e caracterizações irretocáveis da atriz. Naomi Nero é outra grata surpresa: seu papel é de entrega e exposição, e ele diz muito, mesmo falando pouco na introspecção de seu personagem. Helena Albergaria é um agrado particular a cinéfilos que acompanham a cena audiovisual paulistana, pena que ela tenha pouco espaço por aqui – algo que acontece também com Matheus Nachtergaele, que merece aplausos pelo terceiro ato e clímax do filme.
Inspirado pelo polêmico caso Pedrinho, Mãe Só Há Uma talvez não ganhe a repercussão nacional de Que Horas Ela Volta?, mas deveria. Anna Muylaert oferece mais um filme importante em seus apontamentos e valioso em estética e narrativa, numa fase mais madura e relevante que aquela de Durval Discos (2002) e É Proibido Fumar (2009). Que venham mais mães como Val ou filhos como Pierre e Jéssica em seus próximos projetos.
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