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Sinopse

Os androides iniciam uma guerra para acabar com a humanidade e consolidar sua soberania na Terra. Georgia descobre que está grávida, o que faz ela e o namorado, Sam, decidirem embarcar numa jornada perigosíssima.

Crítica

Por mais escapista e inofensivo que um filme pareça em princípio, ele inevitavelmente carrega elementos e ideias que dizem respeito a uma visão de mundo. Mesmo diante da história aparentemente mais estúpida (às vezes pode ser deliciosamente estúpida) ou das narrativas orientadas por uma ação supostamente descerebrada, há o comprometimento com maneiras específicas de encarar questões políticas, éticas, morais, religiosas, sexuais, comportamentais, etc. Mãe X Androides se apresenta como uma distopia calcada na coragem dos que sobrevivem ao apocalipse apesar das probabilidades desfavoráveis. A trama começa com Georgia (Chloë Grace Moretz) anunciado ao namorado Sam (Algee Smith) que está grávida. Não demora para que um evento do tipo “revolução das máquinas” modifique completamente o cenário: os androides criados à nossa imagem e semelhança para desempenhar funções consideradas subalternas demais (doméstico, garçom, faxineiro, entre outras) se rebelam e começam a carnificina que visa erradicar a raça humana da Terra. Quer dizer, hipoteticamente é essa a motivação dos seres inorgânicos, uma vez que em nenhum momento o filme personaliza a ameaça. Os rebeldes representam apenas "o inimigo", nada mais. São os vilões que criam o caos e impedem a nova família de ser consolidada. E, na superfície, a chave de tudo isso será a coragem de Geórgia.

Tendo em vista o citado compromisso de qualquer produção com um ponto de vista que, por sua vez, revela ideologias muitas vezes ocultadas por gestos e situações grandiloquentes, é preciso pensar sobre o quê realmente é esse filme dirigido por Mattson Tomlin. Paradoxalmente, os gêneros cinematográficos que por definição se distanciam da estrita realidade, tais como a ficção científica e a fantasia, ganham intensidade ao se tornarem alegorias dessa mesma realidade banal. Por exemplo, quando George A. Romero faz de A Noite dos Mortos-Vivos (1968) uma metáfora política sobre a desumanizada manada conservadora nos Estados Unidos, para isso utilizando os zumbis como símbolos. Mais do que a movimentação dos protagonistas para fugir da ameaça, o que importa é exatamente o contido nas entrelinhas: o subtexto. Pensando nisso, Mãe X Androides poderia ser uma espécie de representação da intrepidez materna diante da ameaça maior do que qualquer outra? Claro. E pelo menos é isso que o realizador quer fazer parecer. A personagem de Chloë Grace Moretz é contínua e abertamente celebrada por ser uma mulher com um barrigão de nove meses de gravidez se embrenhando por florestas inóspitas, se escondendo em lugares insalubres e convivendo com a expectativa de dar a luz a qualquer instante, tendo como companhia apenas seu namorado. Ela é a típica mãe-coragem.

Mas é aí que, como dizemos popularmente, “a porca torce o rabo”. Exteriormente, Mãe X Androides – como aliás anuncia o título – é sobre essa mulher guerreira. No entanto, um exame mais acurado dos caminhos dessa jornada conduzida burocraticamente vai revelar que, no fim das contas, o filme existe para festejar a razão do homem da relação. Sim, pois desde que o apocalipse obriga o casal a se esconder na floresta, Sam tem várias opiniões que parecem validadas apenas por sua autoestima masculina. Quem mais defenderia a necessidade de continuar a jornada sabendo que a esposa pode repentinamente entrar em trabalho de parto? Mesmo depois de cortar um dobrado para encontrar um posto seguro, onde inclusive há médicos que podem cuidar da companheira e do bebê, ele insiste em prosseguir. Aliás, ele causa algo que os obriga a prosseguir. Em contrapeso, é questionável o argumento de que o recém-nascido torna a caminhada vulnerável. Por que em nenhum momento o homem pensa em desistir dos SEUS planos? Sam nem cogita isso, o que é reafirmado quando os dois chegam à casa onde permanecem com certa segurança. Ele novamente contraria o bom senso e convence a esposa a largar o reduto. Mattson Tomlin conduz as discordâncias esquematicamente, nos situando ao lado de Geórgia por ela ser a dona do discernimento. Mas, será que realmente é isso? Ou seria o contrário?

Tudo se esclarece quando os dois chegam a Boston. Nem as consequências dramáticas de seguir o plano do homem são relevantes diante da constatação de que, no fim das contas, ele estava certo. Por mais que o filme nos indique que Sam é irresponsável, a sua atitude prevalece e, mesmo aos trancos e barrancos, permite que ambos cheguem ao destino. E esse elogio à razão do homem está também contido no gênero do filho. Sam acha que os dois terão um menino; já Georgia acredita estar carregando uma menina. No frigir dos ovos, quem está correto? O resultado da disputa banal é outro indício de que essa ficção científica, que poderia ser uma alegoria da ganância humana ou contrapor atributos naturais e artificiais, está a serviço da celebração do raciocínio masculino. A mulher pode até ser forte, destemida, assim atendendo ao clichê da leoa que “cresce” para proteger a cria. Mas, tirando essa roupagem bastante xoxa da luta entre humanos e máquinas (nisso o conjunto é bem genérico), a produção faz de tudo para elogiar a capacidade de raciocínio do homem, ainda que ele pareça errado. Sam chega a se vangloriar disso no hospital e nem o drama do encerramento diminui o mal disfarçado "triunfo da testosterona". Para encerrar, é dito em determinadas (várias) cenas que os robôs são pragmáticos, que calculam passos de maneira objetiva. Agora, pensem bem, de que modo agem os coreanos que têm o passaporte ao outro continente? Exatamente com os atributos dos androides. E nem as pequenas variações (alguns olhares de compaixão) escondem a ideologia por trás da resolução que pinta os estrangeiros como equivalentes ao inimigo, mesmo que ofereçam a ajuda. As aparências escondem justamente o contrário.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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