Crítica
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Sinopse
Um casal tem o relacionamento testado quando pessoas não convidadas surgem em sua residência. Os visitantes, com propósito desconhecido, acabam com a tranquilidade do local.
Crítica
Um homem em crise. A fama, o reconhecimento, o respeito, a saudação: por todos estes caminhos ele já trilhou. Porém, não sabe qual passo dar a seguir. Ele precisa de ar, sentir o vento e colocar os pés na terra. A inspiração que agora lhe falta pode surgir a qualquer instante. Até mesmo na batida à sua porta no meio da noite. O estranho que aparece é tímido em revelar suas intenções, mas logo admite estar ali por sua causa. Assim como a mulher que vem em seguida, protegendo um e referendando o outro. Os três se espalham pela casa, invadem domínios proibidos, levantam questões impensadas. Se aproximam, mas não deixam suas verdadeiras intenções transparentes. Pois entre eles está ela. Aquela responsável por tudo que os rodeia. Pelo que veem, que os protege e os circunda. Ela é a Mãe!, assim mesmo, com uma exclamação que parece gritar por atenção, carinho e louvor. Mas cada um ali presente possui seus próprios motivos. E como negar-lhes a razão?
Assim começa o filme dirigido por Darren Aronofsky, um realizador que deixou claro, com o conjunto de sua obra, uma evidente insatisfação com o óbvio, com o premente e superficial. As leituras que promove nunca estão ao alcance de um primeiro olhar. É preciso esforço e disposição para ir além, ultrapassar as barreiras e dificuldades que se apresentam durante as trajetórias propostas e mergulhar de cabeça no que desvenda através de seus argumentos. É, com certeza, uma jornada tortuosa e dolorida. Mas, ao mesmo tempo, inegavelmente recompensadora. Assim como Réquiem para um Sonho (2000), O Lutador (2008) ou Cisne Negro (2010), em Mãe! o que está em jogo é um personagem em transformação. Mas ignore a vontade de se afeiçoar ao que é disposto diante dos olhos. Desprenda-se daquilo exposto ao seu alcance e vá adiante. E não apenas no que diz respeito aos acontecimentos, mas também em relação aos próprios tipos – eles, com certeza, não são o que dizem ser. Mas, enfim, quem são? Essa não é uma pergunta de fácil resposta.
Até porque se Aronofsky tem construído uma filmografia voltada ao íntimo de seres perturbados prontos a florescer – ou não – após a tormenta, é sábio também seu apreço a uma discussão mais elevada. A religião já se fez presente em títulos com Fonte da Vida (2006) e, é claro, Noé (2014), porém nunca com tanta força, e isso pode ser o mais surpreendente, como em Mãe!. Afinal, ela é vida, é origem, é princípio e, também, fim. Mas o que existe antes dela? E após sua concepção, é possível alguma existência? A continuidade nos faz livres, mas não nos torna, na mesma proporção, presos? É preciso destruir para poder criar, o novo somente surge a parte das cinzas do velho, do morto, do já vencido. É preciso dar para descobrir, e uma vez ultrapassado os limites, não é mais possível voltar. Ou seria, talvez de uma outra forma? Os irmãos surgem de modo abrupto, e quando em confronto, todo mundo sabe qual será o fim deles. Mas se estes parecem pequenos diante de um cenário muito maior, qual o papel dela frente a tudo isso?
Jennifer Lawrence parece jovem demais para defender uma composição tão complexa quanto essa, mas quem a viu em filmes como O Lado Bom da Vida (2012) e, principalmente, Inverno da Alma (2010), conhece o seu potencial. A atriz nunca esteve tão entregue, e tem aqui, muito provavelmente, o maior desafio de sua carreira – ao menos até o momento. Ela é a Mãe!, e por isso está perdida em meio a tantos conflitos, surpresas e contradições. Sua incredulidade, força e desespero é o mesmo vivido nos olhos do espectador, é nela em que nos apoiamos, e por quem torcemos por uma reviravolta, sem perceber que seu destino já está trilhado – desde o início dos tempos, é verdade. E é ele, Javier Bardem, o responsável por tudo isso. A princípio uma escolha equivocada – o astro espanhol de sotaque carregado é 21 anos mais velho do que sua colega – ele justifica sua escolha sem pressa e com muita segurança, revelando uma tranquilidade e sabedoria que vão além do que os olhos percebem de partida. E é na união destes dois que Aronofsky encontra o campo fértil para seu conto de amor e morte, vida e destruição.
Vaiado e aplaudido com a mesma intensidade em sua première mundial no Festival de Veneza, este é um filme ao qual ninguém sairá indiferente. Indo do tenebroso ao sublime em questão de minutos, tem-se aqui uma obra construída a partir das mais diversas alegorias e referências, cabendo ao espectador compor àquelas que mais lhe parecem próximas para, a partir desta base, construir sua própria experiência. Os preceitos bíblicos são evidentes, mas há mais em jogo. Ele é um escritor prestes a entregar ao mundo uma nova prova do seu talento, mas isso só é possível através dos meios que ela proporciona. Fãs, admiradores, seguidores, replicadores, invejosos, obsessivos: todos estes nada mais são do que mero ruído. O distúrbio existe, e não pode ser ignorado. E Aronofsky está aqui para isso, para provocar, e nunca simplesmente entreter. Afinal, Mãe! ensina ao oferecer o conflito. O crescimento vem destes instantes de descuido. A segurança é mera ilusão. E quanto mais cedo aceita-se esta verdade, mais próximo da compreensão se está.
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